Chatos
Cresci com as histórias “em quadrinhos”, como à banda desenhada se referia o saudoso Vasco Granja. Nelas aprendi a ler, nelas aprendi humor, nelas aprendi história e nelas aprendi que a história é uma versão, e sempre uma versão, e que até há pessoas que não passam de uma versão de si mesmas.
Recordo muitas das histórias que
ainda hoje moldam aquilo que sou e aquilo que faço. E que saudades tenho dos
livros da editora Abril, da Disney, com o açúcar do português do Brasil. Até me
recordo de se rirem de mim, e eu de mim próprio, quando lia onze em vez da
expressão XI!
Uma das mais emblemáticas
histórias que li foi a do Pateta como Cristóvão Colombo. Um menino irreverente,
italiano de Génova, que discutia com seu pai sobre a forma da terra. Seu pai
era um terraplanista convicto que argumentava, solidamente:
- Claro que a terra é chata e não
redonda. Se assim não fosse o que significaria viajar pelos quatro cantos do
mundo?
Da sua brilhante argumentação
ainda podemos inferir que a terra não só é chata como é, também, um quadrilátero.
Mas adiante.
Certo é que a história termina
com o menino Cristóvão Colombo, já crescido e navegador feito, a cair, com o
seu navio, da borda do mundo. A tragédia só não foi maior porque o navio ficou
preso pela âncora e pendurado no mundão. Assim o Pateta pode constatar que a
terra era chata e que até existia um ralo, para escoar as águas do mundo, por baixo
da terra. Disto nunca falou a ninguém, para que a dúvida subsistisse.
Tornei-me, assim, um
terraplanista e um amante da ficção. Hoje já não sei se a terra é redonda ou se
é chata, mas sei que está pululada de verdadeiros chatos, de racistas, de
sexistas, de carteiristas e outros cretinos com nome terminado em "istas", do
qual são exemplos aldrabões, desonestos do intelecto e religiões.
Hoje, 9 de Janeiro de 2021,
fiquei a saber que o planeta terra, redondo, quadrado, chato ou esférico, está
a rodar, sobre si mesmo, a uma velocidade maior do que nos últimos 50 anos.
Será que o universo percebeu que
é necessário tornar os dias mais curtos para quem apregoa penas de morte e
prisões perpétuas, odeia ciganos ou qualquer pessoa que pense, se expresse, ou
viva de forma diferente do seu padrão, como quem pontapeia pedras da calçada?
Para estes chatos, só dias mais
curtos serão dia de menos ódio e menos medo de que os outros possam ser
felizes.
Apetecia-me, por momentos e a ferver no ódio que tento não ter, que o planeta fosse chato e os deixasse cair borda fora, ou pelo ralo do fundo do mundo. Mas recuo nessa vontade, talvez defeito, e constato que é essa tolerância, de que eles (os racistas, aldrabões, burlões do raciocínio), não são feitos, que permite a sua existência.
Só a tolerância que não têm
permite a sua existência. Ou será tibieza!? Que Chato!