sábado, 29 de outubro de 2022

 

Emitimos Luz

 

Inúmeras entradas no Sr. Google nos conduzem para
artigos mais ou menos científicos sobre o facto de o corpo humano emitir luz ou de, pelo menos, ter essa capacidade.

Não me detive muito sobre essas dissertações. Para mim não constituem quaisquer novidades. Até pensava e continuo a pensar que uma das nossas grandes funções, ao longo da breve peregrinação que fazemos entre a medida da humanidade (pois que o Homem continua a ser a medida de todas as coisas), seria ser luz.

Ponte do Poço de Santiago (foto de Bigorna)

Emitir Luz talvez nem seja, mesmo, exclusiva capacidade, dos humanos. Os mesmos processos bioquímicos que explicam a bioluminescência, nos humanos, são comuns a muitos outros seres vivos dos quatro cantos da taxonomia.

O que me apaga a luz dos dias e me faz as noites sombrias e solitários é o que fazemos com a nossa luz e com a luz dos outros. Como cuidamos da “conta” da luz de cada um e o que fazemos para ofuscar ou propalar essa luz, que conta damos dela, que conta vamos dar da conta de tanta falta de conta.

(foto de Bigorna)

E já nem falo de conhecimento, de cultura, de recriação, de fraternidade… Que dessa luz só os astrofísicos poderão dar conto, quando do futuro observarem a quantidade de luz da Via Lactea e disserem:

- Neste momento, a humanidade estava e emitir pouca luz… Que pena! Os Deuses haverão de fazer-nos pagar por isso.

Andava eu às voltas com este remorso, em ensejos lânguidos de jiboiar pelas estradas com a minha Deolinda e a minha Joana. Para quem não sabe, duas companheiras que nunca rangem os dentes, não se “afermentam” comigo e não rasgam as vestes da indignação por eu ter desprendido flato num dia de pouca ventosidade atmosférica. Como ia dizendo, andava eu curvando boas curvas e vendo o que de belo os meus olhos são capazes de ver como belo, quando me admirei de avistar a bela ponte centenária do Poço de Santiago. Bela. Uma peça arquitectónica sublime.

Assim a vi e assim me atirei ao rio para lhe captar o melhor sorriso possível, com ajuda da lente arguta da minha Joana (a máquina fotográfica), entre mil perigos, ainda que o Vouga, por aqueles dias fosse apenas um manso regato compassado e desmilinguido. Parecendo que não foi arriscado! Aprendi a nadar tardiamente e nunca para me atirar à agua, mas sim e só para o mero fatídico acaso de lá tombar.

Voltava eu das aguas revoltas onde me aventurei, por loucura e paixão, quando vislumbrei, na margem, um casal de meia idade, em disfarçado passeio de namorisco. Atirei o olho por cima do ombro e ainda percebi uma cotovelada dela sobre a pança dele:

- Vês, os estrangeiros (que um deles seria eu), vêm muito fotografar a nossa ponte. A nossa ponte é muito FOTOVOLTAICA! Não achas?

Ri para dentro. Devo ter rido da minha ignorância, pensava mesmo que ela queria dizer fotogénica. Até partilhei o sucedido com alguns amigos…

Mas a senhora tinha toda a razão e eu não lhe percebi o alcance. A Ponte, de tão linda que é, EMITE LUZ.

Uma ponte é sempre uma ponte. Mas uma ponte, cuja estética transforma o objecto em mais que um objecto, é uma Obra de Arte.

Enfim, uma outra forma de emitirmos luz.

                                                        Bigorna, Outubro de 2022

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