quarta-feira, 27 de maio de 2020


Eterno Retorno

Em 2009, em plena decorrência da pandemia Por H1N1 (Gripe A), escrevi este texto.
11 anos volvidos apeteceu-me desenterrar a esperança que sempre quis imortalizar nele.
Cada um de nós, na nossa inteira e deliciosa liberdade, até de estarmos errados, pode ler nele o que entender. Não vamos ficar, nem por aqui, nem sem retorno.

Ilustração de Danielle-Mae (Obrigado)
Um “A” de “Amo a Vida”.

Ao lado da vala comum, de onde exalava um odor putrefacto, fazendo lembrar uma úlcera necrótica, serpenteava uma ribeira inocente, tranquila, de águas límpidas. Dela a vida irrompia sem preocupação alguma. Os dois sulcos, quase paralelos, separados apenas por umas dezenas de metros, competiam entre si, tentando cada um deles ser um rio a cada minuto maior, mais largo, mais caudaloso.
O inverno chegou. Na verdade, era como se a Primavera e o Verão se tivessem estreitado num fio fino que deu continuidade ao inverno seguinte engrossando-se no fim, sem que tivesse havido verdadeira transição. O mesmo se passava com a “malina”. E é particularmente distinto, este nome que o povo deu, desde sempre, ao mal, sobretudo quando ele é especialmente perigoso, enigmático e insidioso. Como se o facto de lhe dar um ar feminino lhe acentuasse a perfídia. Mas pérfida é a discriminação de género.
A “malina” também chegava, já depois de ter chegado, ia chegando. Assim, desta forma, colaterais, os dois rasgos cresciam, o regato e a vala comum. Um como rio de vida e o outro como rio de morte, uma cloaca de tristezas. Mas cresciam. E o que a um dava vida, isto é, a pluviosidade crescente, ao outro dava morte, corpos e corpos amontoados, encontrados aqui e ali, caídos, estropiados por cães vadios, por animais de toda a espécie, por larvas e minhocas… Corpos e mais corpos… Vítimas da gripe, da descurada pandemia…
Desde o início do ano que televisões, rádios, jornais e “sua alteza mais real e jovial”, a “net”, se pavoneavam de parangonas sobre a desejada pandemia. De início uns tantos casos de “Gripe dos Porcos”, no México. Depois o rápido aparecimento nos Estados Unidos da América e noutros países. E também, por consequência a mudança de nome. Talvez um mexicano possa sofrer de gripe dos porcos… Mas Um Yankee nunca e um Europeu… apenas se um Americano também não…
Os casos multiplicavam-se, umas vezes ao sabor dos media, outras ao sabor dos governos dos países e ainda outras ao sabor dos técnicos de saúde e das intermitências gananciosas das suas necessidades de protagonismo. Tudo ia concorrendo para que fosse mais fácil a sua propagação.
A minha cabeça doía, recordava, cogitava… Nos anos anteriores tinha havido falsos e desajeitados alarmes sobre hipotéticas gripes de aves, sobre pandemias mortais, sobre tragédias gregas e sobre antrax e pós brancos. A estas banais e insidiosas ameaças, mais ou menos bem orquestradas, mais ou menos verosímeis, sempre sob a égide cobarde de autoridades de saúde, seguiam-se especulações bem fundamentadas para tão frágil poder argumentativo da população mundial (mais ou menos bloguista, mais ou menos twitter, mais ou menos infantilizada e demencial).
Via os mortos que iam sendo atirados, com um som de corpo morto, sob os outros corpos mortos. E foi então que “tunc”, uma pancada de corpo morto atingiu o meu cadáver.
- O meu cadáver!!! – Exclamei.
E neste mesmo grito acordei do pesadelo. Os lençóis enrolaram-se-me ao corpo durante o terrível pesadelo… mal podia mexer-me…
Ofegante e com o coração a bater a mil, escutei as notícias... O despertador… A telefonia… anunciava a calma, a tranquilidade e a bonomia de mais um dia… Frio, é certo, mas com a população viva, vacinada e sobretudo bem informada.
E sim, pensei… é, é essa a melhor vacina contra todas as tiranias, pandemias e preconceitos – A informação.
Com este pensamento esfreguei os olhos e soltei o meu Ah!!! Matinal… Que, aqui para nós, é um “A” de “AMO A VIDA”.

segunda-feira, 18 de maio de 2020


Já ninguém tem medo do Bicho Papão…

Quando éramos pequeninos, aí para meados de Fevereiro deste ano, todos estávamos a começar de ter medo do Bicho Papão. Agora, 3 meses volvidos, já todos somos grandes, perdemos o medo e até a vergonha, quem a tinha.
Andámos arredios uns dos outros, com medo de matarmos uns quantos, sobretudo mais idosos e mais frágeis, com vergonha de ficarmos mal na fotografia, com muitos casos, muitas vagas nos lares de idosos, com o SNS a rebentar pelos fundilhos.
Agora, já não temos medo, devemos sair à rua, frequentar os restaurantes, comer sem máscara (pois  que com máscara não dá jeitinho algum). Estar num restaurante, sem máscara, já não é nada perigoso. Partículas e vírus em suspensão? Não! Noutros locais é perigoso, mas nos restaurantes não. Talvez seja por alguns terem tão má comida que nem o vírus resiste.
Nestes três meses o vírus bateu-nos o pé, mostrou quem mandava. Agora vai deixar-nos sair para a rua… ele vai estar a olhar-nos porque nós sabemos que é ele quem manda. É uma espécie de colega de escola, mais mauzão, que basta ameaçar-nos e ver a nossa cara, de acagaçados, para se sentir satisfeito e nos deixar em paz.
Em três meses, o que nós crescemos. Perdemos o medo, a vergonha… e passou tanto, mas tanto tempo que, parece-me, ou a senilidade se apoderou do nosso cérebro ou ensandecemos por falta de dinheiro.
Talvez corra bem…

segunda-feira, 11 de maio de 2020


Dia da Enfermeira

Comemora-se, Amanhã, 12 de Maio, o Dia Internacional do Enfermeiro.

Há uma pérfida tendência para o machismo, na nossa sociedade. Denominar dia do Enfermeiro, quando falamos de uma profissão maioritariamente no feminino, não me parece completamente inocente. Por mim, confesso que não me cairia nada por falar em dia da Enfermeira, contando que seja, sempre, com letra maiúscula.
Ilustração de Danielle-Mae (Obrigado)

Não é nova, na humanidade, a tentativa de subjugação e submissão das mulheres. Até a criação de deuses e deusas foi abandonada, para dar lugar a um deus macho, único e poderoso.
Pois tenho para mim que deus que é Deus, mais perfeito seria se fosse gaja e, que por mais perfeito que fosse se sentiria melhor na companhia de outros deuses.
Mas não, o homem assim o criou e ao criá-lo, não contente, criou ainda a sua criação e, ao criar a sua criação, ainda insistiu em criar primeiro o homem e dele fazer a mulher. É preciso lata e falta de gosto e de imaginação. Todos sabemos que, se deus fez algo melhor que a mulher, só ele saberá o que é, guardou só para si próprio…

E, depois que a humanidade se conhece, depois que o mundo é mundo, existem enfermos e enfermeiras que os cuidam, que lhe são apoio na sua falta de firmeza ou lhe são as mãos e os pés e as pernas, na sua falta de mobilidade. Talvez este “fermo” possa ter a mesma origem do italiano quieto.
Trata-se, não da profissão mais antiga do mundo, que essa sabemos bem que é a de usurpador. Também percebi, na cabeça de alguns, que a mais antiga do mundo seria a prostituição. Lá vai dar quase ao mesmo. E a pior não é a do corpo, é a do cérebro, é óbvio. Mas, a tal enfermagem, a gente que cuida de gente, será, sem dúvida, das mais antigas da humanidade.

Foi, então, criada a Enfermeira, uma boa ideia de criação. Um ser afável, mas sem coração, que tê-lo não dá jeito, é perigoso e pode atrapalhar. O meu, há já muito que o trago no bolso de outras calças, deixo-o na gaveta, quando vou trabalhar, sou um desalmado e sem coração.
Apenas dois braços fazem das enfermeiras seres pouco produtivos, pouco eficientes e mesmo pouco eficazes. Com uma mão tratam, com a outra confortam, com a outra escrevem poesia nos lençóis descartáveis, e se mais houvesse melhor seria. Não se admitam nas escolas enfermeiras com menos de três braços.

Tal como (as dores e as enfermidades; e a morte; e o nascimento; e a tristeza; e a alegria), não possuem qualidade de noite ou de dia, da mesma exacta forma que não existem feriados nem dias santos para os heróis do dia a dia, convém que estejam munidas de apêndices vários, para poderem ser noite e luz, para poderem ser abnegação e conhecimento, para que a sua presença seja como o mar, a terra e o vento, sempre presentes.
E assim se criaram as enfermeiras, bastante perfeitas, bastante bem-feitas, mas talvez brancas e sem identidade, melhor ainda que não tivessem nem alma nem vontade…

Para quem não sabe, com mil saberes de mil qualidades, com o ecletismo na cabeça e o holismo no sítio do coração. Até da merda, que o enfermo caga, faz objecto de leitura e mensuração.

Enfim, parece que o Homem não é muito bom a criar deuses, mas, em contrapartida, sabe fazer, eximiamente, Enfermeiras. Saiba o mundo conhecê-las, mas também reconhecê-las. Como verdadeiras artistas que são, merecem palmas.

Mas só palmas não enchem barriga.

sábado, 9 de maio de 2020


É dia da Europa, não é dia do Carácter nem da Solidariedade.

Não rasgueis, ó gentes, as vestes da vossa letícia nem da vossa indignação, pois que o momento não é nem tão fausto nem tão infausto que tal mereça.
Na mitologia, antiga, assistimos à fuga da filha de Paris, preie de luxúria e a verter pulcritude, no dorso de Zeus, disfarçado de touro, atravessando os mares, com destino a Creta.
Hoje assistiremos à fuga da mesma ninfa, ainda esbelta, mas no dorso do FMI, disfarçado, não de touro, mas de escorpião. Ele, FMI, pronto a espetar-lhe, no ventre, o ferrão da usura. Ela, pronta a prostituir-se, não na saudosa ilha de Creta, mas num qualquer paraíso fiscal. Ambos ébrios de lascívia, prontos a apear todos os deserdados da sorte deste velho continente ou de todos os continentes e de todos os universos que pudessem e onde reinassem. Solidariedade, para os seus governantes, é uma palavra vazia de significado, carregada de muitos D (de desprezo) e de Sol que nunca será para todos.
Quanto ao carácter, esse não se aprende na escola, bebe-se no seio materno, à luz do luar, nas noites das maiores tempestades
.
Esta semana, em contexto de trabalho, em plena tempestade pandémica deste SARS Covid-19, assisti a uma discussão que me levou à náusea. Dois profissionais de saúde, de uma pútrida e fingida estrutura disfarçada de prestadora de cuidados, discutiam sobre quem deveria atender um utente. Um deles argumentava pleno de sapiência pia e parva:
- Alguém devia avaliar a temperatura ao utente antes de eu o observar. Não é justo que seja só eu a ter contacto com o utente.
Talvez ele entendesse não dever ser só ele a correr o risco de ser infectado. Uma nova forma de ser solidário, portanto.
Vai lá tu, vai lá tu…
Eis aqui uma comovente manifestação de carácter. Foi a escola que lha ensinou, certamente.

terça-feira, 5 de maio de 2020


Viva a Língua em que somos emoção!


Segundo a Wikipédia, o dia de hoje é pródigo em memorações.

Origami de Bigorna
Assinala-se o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura Lusófona. Que bom que é podermos falar este fantástico idioma, entendido por tantas pessoas, com os mais diversos tons de açúcar e mel. A língua da saudade, da poesia de Camões, de Sophia, de Pessoa, de Mia Couto, de Jorge Amado, de Saramago… E ficava aqui o dia inteiro a citar… e a sorrir.
Vivam também as Parteiras que os apararam e que com suas mães também pariram ansiedades e suores. Hoje é  o Dia Internacional da Parteira.

Comemora-se, igualmente, o Dia Mundial do Trânsito e da Cortesia ao Volante.

- Passe se faz favor. Obrigado! Não me buzine e não faça essa cara, que ainda há poucos dias foi o dia do Sorriso.
Por curiosidade, hoje, ouvi na Rádio que é seguro dar afecto, carinho e afago aos nossos animais de companhia, sem correr o risco de ficar infectado com Covid-19. Ressalvando uma não tão grande certeza como aquela em que o entrevistado se encontrava sentado, não deixa de ser curioso que parece menos perigoso abraçar um cão ou um gato do que abraçar os nossos pais, amigos, familiares, colegas de trabalho.
Mas em todas as circunstâncias, lave as Mãos, pela nossa saúde, pelo tanto que devemos Amar-nos enquanto podemos. Hoje é, também, O Dia Mundial da Lavagem das Mãos.

segunda-feira, 4 de maio de 2020


Dia Internacional do Bombeiro

Bom Dia Bombeiros do Meu País, Bom Dia Bombeiros do mundo inteiro!

Numa homenagem singela, a todos e em particular aos que tombaram em combate, gostaria de me fazer presente com o modesto texto que se segue.
Tantas vezes Soldados Desconhecidos.... Fica o meu reconhecimento à vossa entrega generosa e abnegada.



Soldado Reconhecido

Homem grande, de grande mão,
Mulher gigante, braço de ferro,
Corações de leão.
Alma bradada ao desterro.
O fogo na água, a água no fogo,
Voando no vento,
Vida por vida num jogo.
Sempre presente, pronto e atento,
A ferro e a fogo,
A ferro e Fogo (Ilustração de Danielle-Mae)
Noite ao relento,
Escava do peito a força improvável.
De seu próprio eu, Perdulário,
Sorridente e afável,
Salvou tantas vidas,
Sem se olhar notável, apenas Bombeiro,
Sempre Voluntário.
Soldado de paz,
Espírito sem abrigo,
Sem saber ser capaz
De ser reconhecido.
                               Bigorna, 2020

domingo, 3 de maio de 2020


A todas as mães.



De Outro Universo

Não é difícil perceber que, a grande maioria ou mesmo a quase totalidade das explicações especuladas para a construção de monumentos como pirâmides Egípcias e outros, não colhe, não encontra razoabilidade.
Ilustração de Danielle -Mae (Obrigado)
Parece nítido que, alguma, muita, informação e conhecimento se perdeu no tempo e no contratempo, nas diversas idades médias e noites milenares cavadas há ciência e queimadas em fogueiras até cheirar agonicamente a bispo.
Tudo na mesma, como a lesma…
Continuo, aqui, soturno e pensativo, num violento solilóquio interno, com a vida apátrida que o bicho (o Sr. Covid-19), está a levar. E, contudo, mesmo sem pátria, ele está-se bem a cagar para as fronteiras.
Num cenário catastrófico, que gosto de imaginar para não ter a sorte de acertar nesse eterno retorno quadrado do bambúrrio, a humanidade pode sofrer um violento revés, quer vítima deste vírus ou de outro, ou ainda das suas curas e das recessões económicas. Como todos sabemos, as recessões económicas são como as trovoadas, com a excepção de que no caso das trovoadas é “deus nosso senhor a ralhar”, nas recessões económicas é o “liberalismo nosso senhor a flatular”. E, como todos vamos ter de perceber, se o nosso senhor liberalismo não for atendido, amua e destrói tudo, qual criança birrenta. A humanidade acaba, o Chaos estabelece-se. Não porque a terra tenha necessidade do bicho homem, mas, acumulámos tanto potencial bélico e nuclear que vai ser só uma questão de tempo. Bum.
Há dias, num violento pesadelo, vi “claramente visto”, que a terra se tinha virado do avesso, maldisposta das tripas e num acesso fervoroso de bílis (por um fígado intoxicado de plutónio). O resultado foi o regresso ao primórdio, lama, para não dizer outra merda qualquer.
Na mesma perplexa onirodinia em que me encontrava, construiu-se-me, no submundo do cérebro, uma nova história da nossa querida Geia. Novos seres tinham emergido, entre os quais, hominídeos mais perfeitos, com três pernas para poderem ser mais estáveis, com três olhos para verem para trás, com três braços para poderem agradar mais ao nosso senhor liberalismo e, no lugar do umbigo, agora, uma espécie de ficha USB para poder ligar à máquina e acabar com a protecção de dados. Milhões de anos tinham passado desde o Chaos.
Numa exploração arqueológica, alguém, um novo “homo tritrampetrocos”, o tal novo e mais perfeito hominídeo, acabou por encontrar um disco de computador (que poderia ter pertencido a uma outra pregressa civilização desaparecida). A descoberta maior de toda a história estava ali - Ah! Afinal estava tudo explicado. Aquele objecto estranho e sem qualquer utilidade para nós, e impossível de ser lido, só podia ter caído de um OVNI. Os extraterrestres andaram por cá! Urra!
Acordei, do meu estado de íncubo, e logo percebi a metáfora subliminar que os americanos andam a passar sobre avistamentos de OVNIS.
O Bicho foi trazido por eles. Está explicado.

  Pimenta no cu dos outros… (Série)   Inspirado num poste sobre espera. A vida, se a observarmos, de todos os lados, e a conseguirmos ...