quarta-feira, 31 de maio de 2023

 Carta Aberta aos Meus Medos


Hoje acordei com medo de não ser capaz de pintar, por palavras, todo o fumo e as nuvens negras que escorrem pelas minhas paredes de dentro. Esse bafo podre pardo e ardente, que o medo baforou nas minhas entranhas, grosso e fedorento. Esse Pântano pútrido só habitado por seres sem pernas que se arrastam com a língua por terra.

Quero que todas as tuas ameaças tenham medos da minha raiva por ter medo. Hoje vou esganar-te com as próprias mãos esfoladas e fazer o sangue das minhas mãos evaporar em lágrimas de chumbo como se fossem almas penadas. Hoje vou arrancar pelos olhos as raízes das flores ferrugentas dos receios, perseguir todos os possíveis recreios de qualquer réstia de sossego. Vou triturar o teu feitio reles e rabugento. Esganar-te-ei pelo fim do funil do mundo e vou enfiar-te aos pontapés e aos berros em qualquer porta do fundo, esperando que o corredor esteja bem mal cheiroso, sujo e imundo, que os tecto desabem negros e defuntos.

Não voltarei a tecer-te avisos pois que é findo o teu reinado de fezes extintas e pulverizadas ao vento.

Hoje publico, decreto e ratifico que o teu mau odor é, apenas, um pardo remorso sem tempo e sem momento.

Não mais assustarás crianç

(Fotografia de Bigorna)
as nem que elas tenham que nascer cegas, surdas, sem paladar, sem pele e sem olfacto. Não serás nada, nem sombra do vazio nem pó de alinhavos do meu fato. A partir de hoje serás um não vapor inerte da tinta que secou no meu tinteiro.

Disse

 Bigorna (XXXI6023V)

                           

segunda-feira, 29 de maio de 2023

 Não Há Palavras

 

Uma folha branca é um poema inacabado.

Cabe, nela, inteira e sem flores, toda a minha e a tua infância.

Letra a letra, em caligrafia de escola primária,

como quem tange a música de um fado.

(Fotografia de Bigorna)
Numa outra estrofe, escrita com as letras furtadas a uma canja de galinha,

descrevem-se as saudades, os pores-do-sol… a dor da distância.

Em uma e outra e outra linha,

desenha-se, a sangue, escorrido, cada joelho esfolado...

 

Há, também, lágrimas, para esborratar a tinta.

Uma folha branca é um poema, inacabado,

e o borrão é o que melhor o pinta,

é a melhor imagem do certo e do errado,

é a marca indelével e distinta de um lápis magoado.

 

E que palavras doridas pode, um lápis de bico sofrido, gemer...

Numa página em branco podem escrever-se mil cacos de um coração partido,

de uma infância parida por cesariana,

de uma barriga qualquer...

Numa Família Cigana…

 

Sem brilho e sem vontade,

podemos usar todas as palavras que saibamos escrever,

repeti-las e reinventá-las, abusar delas, riscá-las e grifá-las e,

antes de as escrever apalpá-las…

que, ainda assim, ficará, sempre, sempre, sempre, tudo por dizer...

           (Bigorna)

sexta-feira, 26 de maio de 2023

 Escadas de livros e luz



Aurora - (Fotografia de Bigorna)

As bruxas e as fadas da noite lisa e calada,
no algar sombrio dos tectos fundos,
novelaram, dentro de mim, um ninho de sonhos
embrulhados em nuvens e brisas tecidas do nada.
Noite dentro, por entre medos medonhos,
inebriado em toneis voláteis de pesadelos,
foi-me roubada a terra negra e queimada,
que serviu de tinta ao grafar das palavras.
Descendo por amplas escadas,
lembrando um formigueiro de poeiras cintilantes,
os monstros, ao som do chicotear das trovoadas,
levaram tudo… os livros, o chão…
Até a sombra morta da chama da candeia
e a alma agitada, da minha fenecida mão, morta.
Quando, por fim, me roubaram a própria esteira,
acordei, desacordado da minha esperança inteira,
olhei. Dos céus desciam os raios de sol da aurora.
Os anjos devolviam, pelas nuvens, as montanhas,
as flores, as andorinhas e a sinfonia da brisa, que escutamos agora.
Entregues ao vento, as ideias dos livros ganhavam, de novo, forma.
Assim se refez, o mundo, trazido pela escada,
enquanto o imaginário profundo fazia amor com a gentil madrugada.
Bigorna (XXVI6023V)

quinta-feira, 25 de maio de 2023

 Gritam forte, fortemente…

 

O escrutínio das acções deve merecer-nos o respeito e admiração.

Já, a perseguição, o achincalhamento, a banalização da justiça, a vingança, o chorrilho de ofensas, fel, raiva e inveja e fugas de informação (nos tribunais), devem merecer-nos as mais veementes condenações e repúdio.

Depois de se encarrapitarem (de calças curtas e fisga no bolso), a espreitar pelo buraco da fechadura, a escutar atrás das portas e, quiçá, a assaltar caixas de correio. Depois de comissões de inquérito em que a verdade e o essencial se tornam acessórios, inquisições vis e pérfidas, onde apenas interessa a lama e a descridibilidade pela descridibilidade. Depois de as fugas de informação (na justiça), não se limitarem a esmagar o governo (como instituição), mas tentarem aniquilar as oposições do arco do poder. Vem a fuga de informação atirar lama sobre todos. E dirá uma certa direita partidária (bem torta e com boca de hipopótamo): - Coitadinho do Crocodilo que tem uma boca tão grande!!!

Fica claro e nítido quem pode lucrar com esta situação. A extrema direita. Para eles e para muitos não há aqui qualquer novidade.

Para muitos é apenas o acordar dos ditadores adormecidos.

Para a maioria é a ameaça da mordaça e a continuidade da pobreza.

Para as televisões e jornais, as palavras já vão inundando o lodaçal e ninguém lhes liga (vem aí o lobo… mas “os Pedros” já não merecem credibilidade).

A igreja tem-se safado e como estamos no tempo das cerejas ficou saudosista de Cerejeiras. Oremos “Ora vão-se mas é fecundar”!

Já que os tempos são de usurpação da verdade e da razão, apenas peço desculpa pelo “ab uso” e ironia com o poema de:

Augusto Gil, Luar de Janeiro (Harmonização não autorizada de Bigorna)

Desenho do autor
(Se não estiver bem feito, queria desenhar um funil!)


 Mas aqui vai…

Gritam forte, fortemente,

como quem faz um chinfrim.

Será estrume ou prisão de ventre?

Bondade não é certamente

E a verdade não chove assim.

 

É um chorrilho de trampa,

Uma dor de cotovelo

Fornica-se a gente indefesa,

Interessa é causar incerteza

- Bem-vindos ao Reino do Medo!

(Não rima mas desenrasca)

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Um vaso…

Um recipiente. Às vezes simples e outras vezes com a complexidade do recipiente que agora contempla este outro vaso. Somos vasos…

E, nas paredes de fora, outras vezes nas paredes de dentro, outras vezes apenas nos nossos olhos, lêem-se imagens. Para uns, belas imagens, para outros, monstros. Para alguns, sempre monstros, para outros, monstros pela manhã e

Vaso do Museu Vista Alegre Fotografia de Bigorna

anjos pela noite dentro. Para alguns, monstros por fora, para outros, monstros por dentro.

Vasos… vazios, não servem para nada. Às vezes apetece-me meter as mãos, dentro de mim, e cavoucar os meus monstros e os meus anjos. Durante o sono, sinto que brincam e se digladiam. São os meus sonhos e os meus pesadelos. São os meus monstros e os meus anjos a disputarem um lugar, dentro, fora ou no meu próprio imaginário.

Às vezes fico com a ideia de que trago, colados à pele, os anjos e demónios que não são meus. Outras vezes, sinto-me tão empanturrado, que acho que comi os anjos e os demónios de outros meus irmãos e que estes brincam ou se revoltam com os meus. Parecem andar, permanentemente, na busca de más notícias, uns sobre os outros. Depois riem-se. Depois choram. Depois rieem de quem chora e choram de quem se ri.

Há poucos dias peidei-me (fermentara-se-me os risos e os choros). Cheirou tão mal…!!!

(Desculpem. Eu sei que algumas pessoas nunca se peidam.)

Bigorna (XXIV6023V)

terça-feira, 23 de maio de 2023

 Marés de Vento

Aurora  (Fotografia de Bigorna)


Pardas matinas... Mas de gracioso oiro vestidas.
Em silêncios se vão despindo, e as vestes, caindo, tecem fina melodia que as aves fingem ser sua.
longe, no céu profundo, os sinos da esperança dobram badaladas.
No fundo da minha rua, como finos fios de lembrança, correm entardecidas, todas as alvoradas.

(Bigorna) XIII6023V

terça-feira, 16 de maio de 2023

 Fumam-se vontades de esfumar as liberdades.


A troada do rasgar das vestes de indignação estilhaça os céus vazios e só é disfarçável pelo troar da flatulência de quem bufa impropérios contra as ideias alheias, mesmo que de boa qualidade (as ideias).
Muita tinta, verbos e fumaça se tem atirado contra o intento de legislar contra o tabagismo a ad libitum. Crie-se uma cortina de vento, um muro de carvão… e se não houver outro, cave se um novo chão.
Está aberto o campeonato mundial de arremesso da ideia feita. Em breve será eleita modalidade olímpica. Vamos inventar quem acolhe a ideia mais nossa? (o que conta é a distância e o fel. A bondade e o resultado só servem para atrapalhar).
(Fotografia de Bigorna)
Há quem lute, marcial e bestial, contra pedidos de ajuda médica para morrer, ao mesmo tempo que se cospe de raivas contra a proibição de fumar em qualquer lugar.
Os atletas do arremesso adestram a língua, medindo-a com “comentadeiros” treinados e teimosos. O importante, contudo, é perceber de que partido político ou de que governo é a ideia que arremesso ou contra-arremesso. Ideias próprias não são autorizadas na competição (era o que faltava!).
E talvez tenham razão. No tempo em que eu me alumiava com um candeeiro de petróleo e não tinha televisor em casa, nem energia eléctrica, os apresentadores de noticiários fumavam durante o “Telejornal” e davam uma baforada entre parágrafos que diziam (os mais novos julgarão que isto é só uma metáfora…).
Mantenha-se a coerência. É petróleo é petróleo. É fumaça é fumaça.
Agora, na TV ninguém ensina a malta a fumar com classe, é uma tristeza (há de ser bonito ver a decadência da indústria do tabaco. Irresponsáveis!)… E os hábitos da candeia a petróleo? perderam-se? (já nem de candeia se conseguem encontrar a coerência nem o Homem).
MODERNICES

Bigorna



 Uma Árvore

Sou um ser privilegiado. Vivi uma vida a olhar tudo o que passou por aqui. Milhares de aves repousaram em mim o seu voo. Em mim se apoiaram enquanto o seu olhar arguto fitava as presas que se escondiam algures em meu redor. Vi nascer pontes, vi correr coelhos, uivar cães, pessoas que me olharam e me admiraram a quietude.
(Fotografia de Bigorna)
Morri de pé.
Mesmo morta continuo a poder ser a minha presença e o afirmar de uma eternidade "Nada se perde, na da se cria, tudo se transforma".
Terei, ainda, o privilégio de cair, sustentada no meu próprio alento, e alimentar quem me ajudou a estar aqui...
e contudo... apenas... só... uma árvore...

Bigorna (XVI6023V)

sábado, 13 de maio de 2023

 


Vou Abusar da Estória

 

O Jaquim, da minha terra, sob protesto violentou a minha vontade de, hoje, contar estórias sobre a sua pessoa. Diz que hoje chegou a sua vez de ser Ele a contar a estória. – Pois conta Jaquim.

- Olha Bigorna, ouvi dizer, que um velho amigo disse, que lhe disseram, que um tal de Toninho, estudante em Coimbra e natural dos arrabaldes de Santa Comba, um dia numa ida à casa materna, durante umas férias escolares, lhe terá sucedido insólito episódio.

- Ó Jaquim, se esse Toninho é o Toninho de quem eu ouvi falar, te digo eu que, ladino como era, todos previam que um dia viesse a ser ou padre ou governante. Mas continuemos.

- Tudo me leva a crer que falamos do mesmo Toninho. Bota aí a estória Bigorna.

- Agora que falas de Bota me lembro eu do tal Toninho, “O Botas”.

Erguendo-se o tal Toninho, pela manhã, com apetites mal desacordados, e não tendo na mesa o desejado dejejum, pegou na malga e decidiu, ele próprio, obrigar a vaca a dar-lhe o matinal e fresco leite.

O meu pedido de perdão às vacas,
por não saber desenhar vacas


Desceu ao curral, com farto enxame de moscas , qual guarda de honra, por via do cheiro à bosta, decidido a mostrar as suas habilidosas capacidades de ordenha.

Pôs mão à obra, como quem diz, ao ubre, e vai de apertar. Não estando as mamas da vaca habituadas às mãos (agora afeitas às vacas citadinas), do Toninho, ou não estando as mãos do Toninho suficientemente calejadas, no ofício, para que a vaca reconhecesse o propósito e se deixasse mungir sem mugidos maiores, o inesperado previsto sucedeu.

Desferiu a vaca um coice, que por sorte não acertou na perna do Toninho mas por certo derramou o pouco leite da malga do pelego. Não perdendo tempo, mestre em prendimentos (como se viria a revelar), o olhar caiu-lhe lesto numa soga ali pendurada e logo, com a mesma, atou a perna da vaca ao prumo do curral. Não esperando para ser surpreendido logo se socorreu de um adival para firmar a segunda pata, do animal, a outro prumo.

Preparava-se o tarata, em lides de vacas rústicas, mas ladino em “económicas e bagaceiras”, para dar continuidade à ordenha e, eis que não quando, o rabo da vaca lhe esbofeteia as fuças, em modos de pincel da barba e lhe dificulta a exploração do tão almejado leite.

Não vendo, o inventivo e ambicioso estudante, outro meio de solucionar o problema, removeu o seu cinto das calças e prendeu, vertical e firmemente a cauda (do animal), ao tecto do curral. Estava agora o perigo preso e o animal sossegado, colocou-se Toninho por trás da vaca e ia dar ensejo ao processo quando num repente as calças lhe caem desamparadas aos pés. Não bastando tal desventura, sua irmã, atraída pelos mugidos anómalos da prisioneira e torturada vaca, irrompe pelo curral e surpreende-se, surpreendida e horrorizada, com o quadro neoclássico que os seus olhos molestava.

- Toninho – Lastimou a pequena com as mãos nos quadris, com a voz embaregada – Deixa-te disso Toninho. Casa-te, arranja uma namorada e casa-te!

Sabes Jaquim, não sei o que é que, nesta estória, convoca à minha mente (tortuosamente por certo), para uma notícia que ouvi ontem. Não sei se a causa da evocação da memória foi a vaca, se a figura, se o julgamento extemporâneo do macabro sucedido com o Toninho, se o próprio Toninho. Ontem, Jaquim, exactamente ontem, eu ouvi um padre de preto vestido e com uma imaculada coleira branca, lá daqueles que vêm preparar os caminhos do Senhor e das Jornadas da Juventude, dizer que o Senhor Papa trará vontades e intentos de se reunir com as vítimas de abuso sexual, por parte de membros da igreja, em Fátima. Fiquei contemplativo e de patas atadas. Meti o rabo entre as pernas e cogitei.

Eu, de abusos sexuais pouco percebo. Eu nunca fui, sexualmente, abusado por membros da igreja. Corro, por isso, o risco de que alguns atirem que estou a falar de morte sem nunca ter morrido, mas ainda querendo continuar com algum grau de ignorância nas matérias, estou preparado para o coice da razão.

Convenhamos. Quem sentirá necessidade de falar, com o chefe dos abusadores, sobre os abusos? Que cura, que águas bentas, que milagres poderão as palavras, as lágrimas e a presença do Senhor Papa, operar sobre uma vítima de abuso sexual. Ouviremos alguém dizer que ficou melhor depois de tal encontro? Ouviremos alguém dizer: - Agora sim, agora posso dormir melhor! – Ou será para as vítimas pedirem ao Senhor Papa que dê tau tau ,no tutu, aos abusadores e quiçá, ouvir o Senhor Papa a dizer aos seus padres abusadores: - Deixem-se disso, casem-se…

É que, caríssimos, o casamento, nem é punição que se atribua a ninguém (nem para o abusador nem para o outro cônjugue), nem tem efeito reabilitador, nem evita que as vacas paguem as favas.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

País de “fingidores”

 


Enquanto os pobres e desgraçados dos governados vão “fingido dores verdadeiras”, os governantes vão fingindo encenações, comédias e dramas. As tragédias ficam para os que se passeiam pelas grandes superfícies e comem com os olhos “um caldo de lágrimas antigas” (António Arnaut in poema Os Meus Heróis), para os que fazem origami nos papelões para se cobrirem com lençóis a fingir, para os que olham para os seus recibos de vencimento e fingem que o patrão se enganou e lhe entregou os descontos em vez do ordenado (não podem fingir que trabalham ou enganam o patrão, porque isso não está no guião).

São tradições antigas: “O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente” (Pessoa).

É outro F a acrescentar A “Fátima”, “Futebol” e “Fado”. E ainda há o “F” de “fecundados” com tanto fingimento.

Os comentadores televisados e jornaleiros fingem que fazem comentários em mote próprio, os donos da comunicação social fingem que ninguém lhes encomenda as perguntas – Excepção feita a um repórter que, ontem, em Espanha (enquanto, por lá, se fingia que o papel desempenhado pelo Senhor Secretário Geral da ONU está a ser bem representado e se brincava às condecorações e homenagens), fez uma pergunta, ao Senhor Presidente da República, sobre as relações entre este e o Senhor Primeiro Ministro. Claro que esta pergunta, feita no estrangeiro e no contexto em que foi feita, só pode ser uma curiosidade pia do jornalista que a fez. Fez esta pergunta como poderia ter perguntado se o Senhor Presidente lavou as mãos e os dentinhos pela manhã ou se estava a usar cuecas fio dental ou se ia comer um gelado com sabor a (…), fica o espaço para o leitor preencher e contribuir (agora finjam que não têm ideias!). Trivialidades, que no teatro são mais conhecidas por “buchas” (com mais ou menos qualidade conforme a qualidade dos actores – no caso percebem-se consentâneas com a opereta em tournée, qualidade não duvidosa a menos que finjamos o contrário).

(Desenho, aldrabado, por Bigorna)

Depois ainda há os que fingem que não fingem e os que fingem demonstrar, no seu pensamento, que o direito ao fingimento é só para alguns. Por exemplo, o Senhor Ministro das infraestruturas, segundo os comentadores, fingiu a sua demissão. Também, segundo os mesmos, o Senhor Primeiro Ministro fingiu que ele não fingia, fingiu-se ofendido e recusou o pedido. A oposição fingiu que estas encenações são uma novidade, finge que finge bem para tentar disfarçar a “canastrice” e finge que acredita que aos outros não é permitido fingir, numa espécie de: “enganarem-nos a nós que vínhamos aqui para os enganarmos a eles…”. E fingem-se de amuados, mas como o gado muar é difícil de imitar, fica o fingimento mal fingido.

O Senhor Presidente, que não finge, fez o papel que sempre fez (como se proferiria em linguagem dramática, declamou, que podia demitir, que podia dissolver, que podia mandar descer o pano, apagar as luzes, desligar o som e devolver os bilhetes aos espectadores). Mas nada aconteceu. No Teatro é assim.

Nós fingimos que não acreditamos nisto.

Os Leitores fingem que isto faz sentido. Obrigado (com vénia teatral à boca de cena).

Eu finjo que isto tem graça para não disfarçar a falta de qualidade do texto e do contexto, e para não chorar.

Finjamos todos! E fujamos! Antes que nos obriguem a bater palmas ou a comer algum gelado com sabor a isto tudo (camadas…).

(daqui a uns dias este texto não faz qualquer sentido, a menos que nos lembremos que isto pode ser só uma versão remasterizada da “Alegoria da Caverna”, em Portugal contemporâneo, a “Paródia do Antro”)

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Dia do Burro

Comemora-se hoje (no oitavo dia do mês de Maio, em 2023), o Dia Internacional do Burro.

Não sei se a comemoração é para algum Burro em particular se para todos os burros.

Numa pesquisa, descuidada e simples, consigo perceber que existe uma boa dúzia de espécies, mais ou menos distintas, de Burros, sem falar da diversidade incomensurável de outros (semi-humanos), que só assim são denominados numa tentativa ignóbil de denegrir a reputação inefável dos verdadeiros Burros. Pela minha parte, e em nome de todos, peço aos Burros que me perdoem.

Ser Burro deve ser um orgulho para qualquer animal digno desse nome. Já para outras Bestas, Avantesmas e Estafermos, o orgulho será uma opção do próprio, a expensas do mesmo e sob o risco obvio de não ver certificada a sua admissão na casta.

Eu, aqui  confesso (antes aqui que num confessionário sombrio, escondido, bafiento e medonho, pelo perigo de “agarrar alguma doença”), não ter descendido da parte inteligente da família. Mas não é por esse motivo que sou Burro. Sou Burro por solidariedade com todos os que, discriminados face às suas velocidades, performances e estereótipos de versatilidade no raciocínio, se sentem minimizados, mas também com todos aqueles que se hipervalorizam (certamente, pouco versados em metrologia, facilmente dão com os burros na água). Sou solidário, sinto-me sólido, eu, os menos inteligentes e todos os burros somos um bloco só (se preferirem, sou um calhau). Não escolhi ser lento de pensamento, de raciocínio ou de capacidades, mas posso escolher ser digno do que possa e consiga ser (posso fazer deste calhau uma pedra melhor). Ter nascido imperfeito dá-me o grato impulso de trabalhar para saber mais, para colaborar no sentido de um mundo melhor, com uma humanidade que faça do humanismo um vento constante de respeito por todo o Universo, por todos os Universos, e “outros versos” que não consigo, pela minha limitação, saber se existem.

Prometo trabalhar, no sentido do aperfeiçoamento, como um verdadeiro Burro (devo isso a uma espécie de sentença que recebi à nascença em que se podia ler “condenado a ser Burro”). Obrigado.

A semântica é prolixa em situações em que, por razões diversas, chamamos ou somos brindados com a adjectivação, deliciosa, de Burro. Fulano é Burro; beltrano parece Burro; sicrano faz-se de Burro; etc. (parêntesis feito para referir que os Burros têm, no seu léxico, uma versão onomatopaica para esta abreviatura de conjunção “o etc.”: simplesmente, no fim do Ioo, Iooo… o Burro diz “Brrrrrr”, querendo dizer etc.). É notável, qual é o animal que, sem ser papagueando, é assim rico de “Verba”. Sim, eu sou também versado na língua deles (não me escondo e só aceitarei reconhecimento na mesma língua).

Os Burros são conhecidos por terem alguns defeitos, entre os quais se costumam destacar, a teimosia e a desobediência. Também há quem lhe reconheça, como principais virtudes a capacidade de desobedecer e a teimosia. Isto Cada Burro com a sua mania. Parece-me, sendo eu Burro, que a teimosia e a desobediência estão bem para qualquer um. Eu, por exemplo, teimo em desobedecer e não me arrependo. Mas talvez eu seja demasiado Burro para perceber aquela “coisa” da medida certa (talvez só alguém muito ilustrado, que possua qualidades para chegar a Presidente ou Rei, seja bafejado com um bafo desses). E também sei mais sobre Burros do que sobre Presidentes e sobre Reis. Os Presidentes e os Reis, esses, nada sabem sobre Burros, o que deixa todos os Burros muito tristes. Como consequência, os Presidentes e os Reis passam a vida a imaginar que sabem o que os Burros pensam sobre todas as coisas e sobre todas as outras coisas, e coisas assim. O problema é que, de quando em vez, enganam-se. Eles não sabem que os Burros são extremamente difíceis de sondar e que as coisas são tantas, para saber, que até há Burros que dizem que só sabem que nada sabem.

Os Burros são muito importantes, algumas espécies estão em decadência e ainda outras em risco de extinção. Por este motivo, se forem inteiros (não confundir com inteiramente Burros), se não estiverem castrados, podem ter direito a subsídio para a sua criação. Não confundir este subsídio com qualquer prestação social. O mais semelhante será o abono de família. O que estou a falar é de subsídio para Burros inteiros e não para inteiramente burros.

Vivam os Burros! Vivam todas as espécies de Burros! Vivam os pouco inteligentes! e, Vivam, também, os muito inteligentes e os só inteligentes!

Não sei exactamente o porquê, mas mesmo agora,  espreitou-me, do canto menos iluminado da memória, uma história (e, tal como costumeiramente nas minhas “escritisses”, provavelmente nenhum nexo haverá, entre esta história e os Burros das comemorações de hoje). Mas lá vai:

Contaram-me, e vou omitir o nome verdadeiro dos protagonistas por respeito e precaução a qualquer desvio da verdade verdadeira ou a efeitos ofensivos colaterais. Contaram-me que, numa Actual Cidade (que era então Vila e onde habitavam vilões e agora habitam Cidadões), havia um homem que tinha uma taberna. Dizem que era famoso pelo seu bom humor, pelas sandes fartas que servia na taberna e pela generosidade que manifestava com os cães vadios que alimentava sem pudores ou interesses interesseiros. Era frequente vislumbra-lo com uma matilha destes animais no seu encalço, com os canitos na expectativa de uma côdea jogada ao chão (não eram Burros), eram sempre cães pobres e vadios.

Conta-se, também, que um dia,

Desenho de Bigorna que não sabe desenhar Burros

atravessando ele a ponte sobre o rio da dita Vila, um polícia seguia, também, no seu rasto, fazendo uso do seu apito, de forma persistente, em alto volume estrepitoso (prriiii, prriiii, etc. “etc., desta vez, em forma de prrriiii e não de Brrrrr”). Como o Pobre homem não desse acordo de se imobilizar ou dar qualquer importância ao “insigne ficante” polícia, o agente (e a gente sabe como eles são afincados e determinados nos seus propósitos quando querem arrebitar o apito), correu e interpelou, o transeunte, de forma directa e em “verba lusa” (foi uma gaita!):

- Então, o senhor não para, não obedece à autoridade?

Ao que o Homem lhe respondeu:

- Eu não ando por apitos senhor “polício” (querendo dizer que não obedecia a apitos ou, certamente que apitos daqueles não chegavam aos céus)!

- Olhe! – vociferou o polícia – Mostre-me cá as licenças dos cães e deixe-se de brincadeiras! (certamente com bons modos de polícia, como era costumeiro o uso, por parte destes, e ainda mais no tempo do “respeito” – que a história ter-se-á passado andes de 1974 e assim ficamos sem qualquer dúvida).

O Homem respondeu-lhe:

- Olhe, senhor “polício”, estes cães não são meus.

- Mas vão atrás de si, por isso são seus!

- Pois.. veja lá bem o senhor “polício”. O senhor também vem atrás de mim… E não é meu, pois não?

 

Moral da história: Vivam os cães vadios! VIVAM!

Pensamento do Dia: Vai que um “rebanho” de moscas resolve seguir um polícia ou “apoisa em cima dele”?

Provérbio: Esta minha tentativa de escrever algo de jeito e sem ferir a língua (não a minha mas a Nossa), é como lavar as trombas a um Burro preto. É perder tempo, gastar água e estragar sabão (e ainda irrito algum Burro com isto!).*

* Fica um sincero pedido de desculpas pelos eventuais erros ortográficos (posso evocar dislexia?, posso?). E não ficarei mais Burro se me corrigirem. Obrigado.

 

domingo, 7 de maio de 2023

 

Terapia do sono.

 

O Jaquim, da minha terra, acercou-se choroso e constrito, de mim.

- Que te fizeram Jaquim? – Perguntei.

- Sabes Bigorna, fui ali para um semáforo, cá da nossa capital, que é cá “qa gente” vai gemendo e chorando, neste vale de lágrimas, e aproveitei a paragem de um carro (daqueles que pagam mais de IUC que nós ganhamos por mês), e acerquei-me do vidro. O senhor condutor abriu e vidro e perguntou-me “Que queres tu?” Ao que eu respondi “uma esmolinha…”

- E para que queres tu a esmola?

- É por mor de comprar uma sandes.

- Sabes que horas são?

- Não tenho relógio, mas pelo buliço do trânsito devem ser 6 da tarde.

- Pois! Se comes agora uma sandes perdes o apetite para o jantar. Fica para outro dia.

Não sendo eu dos melhores, ouvi a história do Jaquim e só pensei em vir para o Facebook. Confesso que me esqueci de lhe dar umas moedas para que ele comesse qualquer coisita.

Estava eu para escrever esta história e as notificações de notícias trouxeram-me este excerto:

“Nós precisamos muito da vossa ajuda. Precisamos de ajuda material, de dinheiro”, pediu esta quarta-feira o presidente da Fundação JMJ, D. Américo Aguiar, diante de cerca de três dezenas de empresários cristãos.

 

Durante um almoço organizado pela ACEGE (Associação Cristã de Empresários e Gestores) na Igreja de São Nicolau, em Lisboa, o Bispo Auxiliar de Lisboa referiu que precisaria de 20 milhões de euros em donativos para “dormir sossegado” em relação à organização do evento.

(https://rr.sapo.pt//...)

Afinal dormir descansado é fácil.

(Desenho de Bigorna - que vê mal, desenha pior e tem sono)
Para o Jaquim da minha terra, de barriga vazia, não. Mas para o Senhor D. Américo Que já andava sem sono por causa dos palcos papais, 20 milhos são um excelente soporífero.

Vinte Milhões também deveria dar para, talvez uns milhares, de pessoas, que não conseguem ter casa decente, dormirem sossegados. Mas vai tudo para os soporíferos…

Eu compreendo. Eu também não gosto de pobres. Sempre a pedirem nos semáforos, sempre a quererem comer, sempre a quererem ter uma casita… Vão mas é trabalhar. Se lhes dão alguma coisa perdem logo a vontade de trabalhar. Só lhes falta pedirem para ir para o céu dos cristãos (para o mesmo céu dos tais empresários cristãos…), e se calhar às 6 da tarde, hora em que não dá jeitinho algum.

- Oh Jaquim! Conheceste o tal figurão do carro, do semáforo?

O Jaquim demorou a responder. Mordiscou os lábios. E, depois de voltar o olhar para as recordações do fundo do seu cérebro, respondeu:

- Não. Eu, com fome, fico meio cego…


 Redacção - cornos.

Este cavaco (da image
(Fotografia de Bigorna)


m que segue), esteve, para aqui, a fazer de burra do pai natal, desde o solstício passado. Em bom rigor, para os mais versados na língua, nas ciências e na erudição, não se trata de uma burra, pretende ser uma rena. Finge ser uma rena.
A rena tem um corno a cair, "desenchavelhado". Também, em abono da verdade não é um corno, é uma haste, mas o que importa é que não vale um corno (a haste).
Trata-se da haste esquerda deste cavaco que finge ser uma rena. É no que dá o esforço continuado e persistente de marrar com a esquerda.
Moral da história: Não se deve ficar ao relento tanto tempo.

As Ervilhas Tortas

Ervilheiras (Fotografia de Bigorna)


Ervilhas tortas, na árvore das ervilhas tortas. A árvore das ervilhas, como é sabido, tem um porte entre a roseira e a sequoia🙄. Às vezes têm pulgões, que são animais maiores que um ácaro, mais pequeno que um rinoceronte e dão coices como cavalos.
As ervilhas tortas podem ser direitas, mas os vendedores e os comedores de ervilhas tortas são, por vezes, muito torcidos. Eu gosto de ervilhas tortas, de outras coisas tortas e das direitas desconfio muito😁.

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