Vou Abusar da Estória
O Jaquim, da minha terra, sob
protesto violentou a minha vontade de, hoje, contar estórias sobre a sua
pessoa. Diz que hoje chegou a sua vez de ser Ele a contar a estória. – Pois conta
Jaquim.
- Olha Bigorna, ouvi dizer, que um
velho amigo disse, que lhe disseram, que um tal de Toninho, estudante em Coimbra
e natural dos arrabaldes de Santa Comba, um dia numa ida à casa materna,
durante umas férias escolares, lhe terá sucedido insólito episódio.
- Ó Jaquim, se esse Toninho é o
Toninho de quem eu ouvi falar, te digo eu que, ladino como era,
todos previam que um dia viesse a ser ou padre ou governante. Mas continuemos.
- Tudo me leva a crer que falamos
do mesmo Toninho. Bota aí a estória Bigorna.
- Agora que falas de Bota me
lembro eu do tal Toninho, “O Botas”.
Erguendo-se o tal Toninho, pela
manhã, com apetites mal desacordados, e não tendo na mesa o desejado dejejum, pegou
na malga e decidiu, ele próprio, obrigar a vaca a dar-lhe o matinal e fresco
leite.
O meu pedido de perdão às vacas, por não saber desenhar vacas |
Pôs mão à obra, como quem diz, ao
ubre, e vai de apertar. Não estando as mamas da vaca habituadas às mãos (agora afeitas
às vacas citadinas), do Toninho, ou não estando as mãos do Toninho
suficientemente calejadas, no ofício, para que a vaca reconhecesse o propósito
e se deixasse mungir sem mugidos maiores, o inesperado previsto sucedeu.
Desferiu a vaca um coice, que por
sorte não acertou na perna do Toninho mas por certo derramou o pouco leite da
malga do pelego. Não perdendo tempo, mestre em prendimentos (como se viria a
revelar), o olhar caiu-lhe lesto numa soga ali pendurada e logo, com a mesma, atou
a perna da vaca ao prumo do curral. Não esperando para ser surpreendido logo se
socorreu de um adival para firmar a segunda pata, do animal, a outro prumo.
Preparava-se o tarata, em lides
de vacas rústicas, mas ladino em “económicas e bagaceiras”, para dar
continuidade à ordenha e, eis que não quando, o rabo da vaca lhe esbofeteia as
fuças, em modos de pincel da barba e lhe dificulta a exploração do tão almejado
leite.
Não vendo, o inventivo e
ambicioso estudante, outro meio de solucionar o problema, removeu o seu cinto
das calças e prendeu, vertical e firmemente a cauda (do animal), ao tecto do
curral. Estava agora o perigo preso e o animal sossegado, colocou-se Toninho por
trás da vaca e ia dar ensejo ao processo quando num repente as calças lhe caem desamparadas
aos pés. Não bastando tal desventura, sua irmã, atraída pelos mugidos anómalos
da prisioneira e torturada vaca, irrompe pelo curral e surpreende-se,
surpreendida e horrorizada, com o quadro neoclássico que os seus olhos
molestava.
- Toninho – Lastimou a pequena
com as mãos nos quadris, com a voz embaregada – Deixa-te disso Toninho. Casa-te,
arranja uma namorada e casa-te!
Sabes Jaquim, não sei o que é que,
nesta estória, convoca à minha mente (tortuosamente por certo), para uma notícia
que ouvi ontem. Não sei se a causa da evocação da memória foi a vaca, se a
figura, se o julgamento extemporâneo do macabro sucedido com o Toninho, se o
próprio Toninho. Ontem, Jaquim, exactamente ontem, eu ouvi um padre de preto
vestido e com uma imaculada coleira branca, lá daqueles que vêm preparar os
caminhos do Senhor e das Jornadas da Juventude, dizer que o Senhor Papa trará
vontades e intentos de se reunir com as vítimas de abuso sexual, por parte de
membros da igreja, em Fátima. Fiquei contemplativo e de patas atadas. Meti o
rabo entre as pernas e cogitei.
Eu, de abusos sexuais pouco
percebo. Eu nunca fui, sexualmente, abusado por membros da igreja. Corro, por
isso, o risco de que alguns atirem que estou a falar de morte sem nunca ter
morrido, mas ainda querendo continuar com algum grau de ignorância nas matérias,
estou preparado para o coice da razão.
Convenhamos. Quem sentirá
necessidade de falar, com o chefe dos abusadores, sobre os abusos? Que cura,
que águas bentas, que milagres poderão as palavras, as lágrimas e a presença do
Senhor Papa, operar sobre uma vítima de abuso sexual. Ouviremos alguém dizer que
ficou melhor depois de tal encontro? Ouviremos alguém dizer: - Agora sim, agora
posso dormir melhor! – Ou será para as vítimas pedirem ao Senhor Papa que dê
tau tau ,no tutu, aos abusadores e quiçá, ouvir o Senhor Papa a dizer aos seus
padres abusadores: - Deixem-se disso, casem-se…
É que, caríssimos, o casamento,
nem é punição que se atribua a ninguém (nem para o abusador nem para o outro
cônjugue), nem tem efeito reabilitador, nem evita que as vacas paguem as favas.
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