sábado, 13 de maio de 2023

 


Vou Abusar da Estória

 

O Jaquim, da minha terra, sob protesto violentou a minha vontade de, hoje, contar estórias sobre a sua pessoa. Diz que hoje chegou a sua vez de ser Ele a contar a estória. – Pois conta Jaquim.

- Olha Bigorna, ouvi dizer, que um velho amigo disse, que lhe disseram, que um tal de Toninho, estudante em Coimbra e natural dos arrabaldes de Santa Comba, um dia numa ida à casa materna, durante umas férias escolares, lhe terá sucedido insólito episódio.

- Ó Jaquim, se esse Toninho é o Toninho de quem eu ouvi falar, te digo eu que, ladino como era, todos previam que um dia viesse a ser ou padre ou governante. Mas continuemos.

- Tudo me leva a crer que falamos do mesmo Toninho. Bota aí a estória Bigorna.

- Agora que falas de Bota me lembro eu do tal Toninho, “O Botas”.

Erguendo-se o tal Toninho, pela manhã, com apetites mal desacordados, e não tendo na mesa o desejado dejejum, pegou na malga e decidiu, ele próprio, obrigar a vaca a dar-lhe o matinal e fresco leite.

O meu pedido de perdão às vacas,
por não saber desenhar vacas


Desceu ao curral, com farto enxame de moscas , qual guarda de honra, por via do cheiro à bosta, decidido a mostrar as suas habilidosas capacidades de ordenha.

Pôs mão à obra, como quem diz, ao ubre, e vai de apertar. Não estando as mamas da vaca habituadas às mãos (agora afeitas às vacas citadinas), do Toninho, ou não estando as mãos do Toninho suficientemente calejadas, no ofício, para que a vaca reconhecesse o propósito e se deixasse mungir sem mugidos maiores, o inesperado previsto sucedeu.

Desferiu a vaca um coice, que por sorte não acertou na perna do Toninho mas por certo derramou o pouco leite da malga do pelego. Não perdendo tempo, mestre em prendimentos (como se viria a revelar), o olhar caiu-lhe lesto numa soga ali pendurada e logo, com a mesma, atou a perna da vaca ao prumo do curral. Não esperando para ser surpreendido logo se socorreu de um adival para firmar a segunda pata, do animal, a outro prumo.

Preparava-se o tarata, em lides de vacas rústicas, mas ladino em “económicas e bagaceiras”, para dar continuidade à ordenha e, eis que não quando, o rabo da vaca lhe esbofeteia as fuças, em modos de pincel da barba e lhe dificulta a exploração do tão almejado leite.

Não vendo, o inventivo e ambicioso estudante, outro meio de solucionar o problema, removeu o seu cinto das calças e prendeu, vertical e firmemente a cauda (do animal), ao tecto do curral. Estava agora o perigo preso e o animal sossegado, colocou-se Toninho por trás da vaca e ia dar ensejo ao processo quando num repente as calças lhe caem desamparadas aos pés. Não bastando tal desventura, sua irmã, atraída pelos mugidos anómalos da prisioneira e torturada vaca, irrompe pelo curral e surpreende-se, surpreendida e horrorizada, com o quadro neoclássico que os seus olhos molestava.

- Toninho – Lastimou a pequena com as mãos nos quadris, com a voz embaregada – Deixa-te disso Toninho. Casa-te, arranja uma namorada e casa-te!

Sabes Jaquim, não sei o que é que, nesta estória, convoca à minha mente (tortuosamente por certo), para uma notícia que ouvi ontem. Não sei se a causa da evocação da memória foi a vaca, se a figura, se o julgamento extemporâneo do macabro sucedido com o Toninho, se o próprio Toninho. Ontem, Jaquim, exactamente ontem, eu ouvi um padre de preto vestido e com uma imaculada coleira branca, lá daqueles que vêm preparar os caminhos do Senhor e das Jornadas da Juventude, dizer que o Senhor Papa trará vontades e intentos de se reunir com as vítimas de abuso sexual, por parte de membros da igreja, em Fátima. Fiquei contemplativo e de patas atadas. Meti o rabo entre as pernas e cogitei.

Eu, de abusos sexuais pouco percebo. Eu nunca fui, sexualmente, abusado por membros da igreja. Corro, por isso, o risco de que alguns atirem que estou a falar de morte sem nunca ter morrido, mas ainda querendo continuar com algum grau de ignorância nas matérias, estou preparado para o coice da razão.

Convenhamos. Quem sentirá necessidade de falar, com o chefe dos abusadores, sobre os abusos? Que cura, que águas bentas, que milagres poderão as palavras, as lágrimas e a presença do Senhor Papa, operar sobre uma vítima de abuso sexual. Ouviremos alguém dizer que ficou melhor depois de tal encontro? Ouviremos alguém dizer: - Agora sim, agora posso dormir melhor! – Ou será para as vítimas pedirem ao Senhor Papa que dê tau tau ,no tutu, aos abusadores e quiçá, ouvir o Senhor Papa a dizer aos seus padres abusadores: - Deixem-se disso, casem-se…

É que, caríssimos, o casamento, nem é punição que se atribua a ninguém (nem para o abusador nem para o outro cônjugue), nem tem efeito reabilitador, nem evita que as vacas paguem as favas.

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