quarta-feira, 31 de maio de 2023

 Carta Aberta aos Meus Medos


Hoje acordei com medo de não ser capaz de pintar, por palavras, todo o fumo e as nuvens negras que escorrem pelas minhas paredes de dentro. Esse bafo podre pardo e ardente, que o medo baforou nas minhas entranhas, grosso e fedorento. Esse Pântano pútrido só habitado por seres sem pernas que se arrastam com a língua por terra.

Quero que todas as tuas ameaças tenham medos da minha raiva por ter medo. Hoje vou esganar-te com as próprias mãos esfoladas e fazer o sangue das minhas mãos evaporar em lágrimas de chumbo como se fossem almas penadas. Hoje vou arrancar pelos olhos as raízes das flores ferrugentas dos receios, perseguir todos os possíveis recreios de qualquer réstia de sossego. Vou triturar o teu feitio reles e rabugento. Esganar-te-ei pelo fim do funil do mundo e vou enfiar-te aos pontapés e aos berros em qualquer porta do fundo, esperando que o corredor esteja bem mal cheiroso, sujo e imundo, que os tecto desabem negros e defuntos.

Não voltarei a tecer-te avisos pois que é findo o teu reinado de fezes extintas e pulverizadas ao vento.

Hoje publico, decreto e ratifico que o teu mau odor é, apenas, um pardo remorso sem tempo e sem momento.

Não mais assustarás crianç

(Fotografia de Bigorna)
as nem que elas tenham que nascer cegas, surdas, sem paladar, sem pele e sem olfacto. Não serás nada, nem sombra do vazio nem pó de alinhavos do meu fato. A partir de hoje serás um não vapor inerte da tinta que secou no meu tinteiro.

Disse

 Bigorna (XXXI6023V)

                           

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