segunda-feira, 24 de abril de 2023

 Para a Inês, que saiu de dentro da mãe há 26 anos.

A história do Telescópio remonta a 1608. Um Holandês, de nome Hans Lippershey construiu uma luneta com lentes de óculos. Galileu Galilei, no ano seguinte, inspirado no anterior, construiu um equipamento com tubos e lentes que foi aperfeiçoado entre 1609 e 1610.
Em 1990, fanzo hoje, a 24 de Abril de 2023, 33 anos de idade, a NASA lançou para o espaço o primeiro telescópio espacial o Hubble.
Desde então ele lá anda (e recordo o poema para Galileu, de António Gedeão), “Ai, Galileu! Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo, que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços, andava a correr e a rolar pelos espaços à razão de trinta quilômetros por segundo. O Hubble la anda a rolar pelos espaços e nós, através dele, andamos cuscando coisas do passado. Grandes invenções e nada de novo. Aquilo que continuamos a conseguir observar é, sempre e só, o passado. Tudo quando podemos observar já la estava. Olhamos, a informação é transmitida ao cérebro e, quando tomamos dela a consciência, a cena já é outra, já passou. A luz, a preciosa luz do sol, quando chega até nós, sendo sempre nova, já tem oito minutos de vida, foi emitida oito minutos antes de a conhecermos. Vivemos no presente, observando o passado e modificando drasticamente o futuro. E há quem passe a vida a desenterrar o pior das nossas histórias para com elas infernizar o próprio inferno.
Também estamos a construir sondas para observar o futuro “aqui na terra não estamos só jogando futebol”.
Há vinte e seis anos, saiu-me uma preciosa sonda para o futuro, de nome Inês. Anda por aí… Irá para o futuro… e os resultados só os nossos futuros o saberão. Espero que funcione na perfeição. , voltando novamente a Gedeão (no poema do alegre desespero), “Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital, (…)”
A luz é do passado, mas a viagem é para o futuro. Espero que construa outras sondas… para o futuro.
(Com desenho do Autor e com espanto por desenhar tão bem... Porra)

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sábado, 22 de abril de 2023

 

Ao dia de Hoje, em Madrid, correndo o ano de 1616, morria Miguel de Cervantes.

Sonhou, escreveu, ensinou a sonhar, treinou meninos na arte da leitura e no engenho da hermenêutica. Um génio pelo qual nutro “inveja bruta, mas branca”. Invejo, brutalmente, todos os que escrevem bem, com a mesma brutalidade com a qual desprezo a minha falta de jeito. Confesso, sem esperança de qualquer perdão.

Resta-me quedar-me pelo elogio, não para que se pense que sei algo sobre isso, mas para que os outros se sintam impelidos a pensar, também, sobre quem com ardor deu nome pomposo a um cavalo (antes e apenas de nome cavalo), “Rocin ante”, a quem com bravura e coragem combateu gigantes (disfarçados de moinhos). A quem amou, em Dulcineia, todas as doçuras que uma alma (mesmo desalmada), pode colher das vestes fecundas do “bicho mulher”. E, rendo especial homenagem a todos os Sanchos Pança, que com amor e dedicação aturam os desmandos de quem manda, as loucuras de quem treslouca, e aos senhores dos mundos e das guerras enchem, divinal, asinina e religiosamente, a pança.

(desenho do autor, à sua medida e à sua capacidade limitada para desenhar e outras cousas)

Desalmado, descrente, mas não me restando mais do que a esperança do esperar, quero uma humanidade que se “esfole” por estes motivos, que deixe a pele no campo de batalha que é a vida, por todos as vidas.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

 A alegria natural do Espanto. 

Parece-me urgente permitir que a simplicidade das coisas simples se evada dos grilhões dos dias complicados do nosso mundo complexo e complexado. Mundo complexado pelo ruido das luzes que permanentemente ameaçam dissecar-nos e desnudar o nosso mundo interior. Por este motivo passamos fingindo que já nada nos espanta. Já tudo vimos e por tudo fomos vistos. Coisas próprias de homens capazes de fabricar deuses com capacidade de aniquilar qualquer ponta de espanto e espontaneidade. Pena que assim seja. 

Há poucos dias fui tomar um café. Coisa mundana, banal, sem qualquer interesse, se a simplicidade das cousas não tivesse acrescentado sabor à alegria que tão bem tempera o ar que respiramos. Cheguei e vi um grupo de pessoas, com um aspecto que os meus preconceitos não assinalaram como anormais. Um pormenor. Todas eram vestidas de um crachá, dependurado ao pescoço (pescoço que ligava, de forma normal, o corpo à cabeça), com a inscrição do suposto nome de cada um. O crachá acrescentava outras informações. Confesso que não li. Devo desabafar que fico com a ideia de que se ler tudo o que me rodeia por onde passo (com o pouco que sei e com a dificuldade que tenho em soletrar), nunca vou muito longe. A verborreia persegue-nos (oral e escrita), não há paciência para tanto aviso, recomendação, alerta, advertência, avisos (e avisos que dizem: depois não diga que não o avisámos). 

(fotografia de Bigorna)

Antes de entrar na Taberna fui surpreendido pelo bruaá dos presentes. Passava um comboio. Os dedos das pessoas apontaram no seu sentido. As vozes repetiram, cadenciadas e emotivas: olha, olha, lá vai ele, lá vai, viste? Viste, viram? Ahhhh!!! 

Confesso que achei estranho tamanho espanto com algo tão banal, frequente e assíduo naquele local. Por momentos pensei que circulasse de rodas para o ar ou atravessado e fora dos trilhos, mas não. Tudo normal, nos trilhos, trilhando o mesmo percurso de sempre e sem dizer mais do que vummmm (não, não dizia café com pão café com pão...). 

Entrei no Botequim, vizinho à estação do referido caminho de ferro, pedi o desejado café, e reparei que todos os presentes co
m o já referido crachá começaram a abando
nar o local. Não, o motivo não fora o meu pouco natural viso. Não assustei ninguém. Ali, naquele local e naquela circunstância, o espanto não era eu. O espanto era o comboio que passou e foi embora sem passar cartucho aos dedos apontados e ao bruaá com o qual foi brindado. As pessoas abandonaram o local e ouvi alguém comentar. Estes senhores são Madeirenses e estão a fazer uma excursão aqui no continente.
 

Não comentei. Ri de mim próprio. Ri e sorri com a simplicidade de quem ainda se espanta, qual criança, com a essência da humanidade dentro das nossas carapaças contra o barulho dissecador das luzes que ameaçam dizer a todos se estamos ou não a usar cuecas. 

A realidade é simples e a simplicidade merece que a brindemos com alegria e com o reconhecimento de que sabemos pouco, muito pouco, do tudo que é cada mundo (e cada um de nós é um mundo de mundos). Na Madeira não há comboios (ponto final). Ver algo que nunca ou raramente se vê e manifestar o espanto é de uma humanidade simples, deliciosa e sã. Ri da minha ignorância (e todos estão autorizados a rir-se dela). E veio-me à memória uma frase batida... mas também um pouco do poema de António Gedeão “Aurora Boreal”: Tenho quarenta janelas, nas paredes do meu quarto (…) Pela maior entra o espanto, pela menor a certeza, pela da frente a beleza, que inunda de canto a canto. (…). 

Viva a nossa capacidade de espanto. Bem hajam todos os que se espantam quando sentem essa necessidade. 

quarta-feira, 12 de abril de 2023

(Desenho de Danielle Duran) - Obrigado

A Lenda do Leitão com Asas

 


Conta-se por aí, em dias de pouco assunto e quando as conversas são sobre o nada das nossas ideias vazias, que um certo homem, tomado de feitiço, dizem uns, ou de mau olhado de sogra, dizem outros ou ainda outros que terá caído da burra depois de uma pançada de cogumelos silvestres, conheceu, num dia de bruxuleante sol de Outono, um estranho avistamento. Avistou, ele, um leitão gordo, anafado e voador, com um belo par de asas qual anjo papudo e sorridente.

(Rotunda do Cardal) - Fotografia de Bigorna
- Anda cá meu maganão! Toma lá um tiro no bucho. Vais ser um regalo no forno. –  E logo o homem se prontificou a dar-lhe farto e faustoso destino opíparo.

Amanhou-o, temperou-o a preceito, espetou-lhe a impiedosa e sádica vara, coseu-o, e deu quente e infernal forno ao angélico infante suíno.

Enquanto o deixava a tomar de loiras cores e delirantes sabores, foi pela rua contar a novidade à vizinhança, que tendo nele poucas certezas, pareceu ter feito pouco caso e orelhas moucas, ainda que isso não tivesse assim surtido facto em todos os mortais.

Um certo vizinho, que de maroto tinha no sangue os taninos da baga e o génio da touriga, atentando que o gabarola do caçador do leitão angélico alado tomava o caminho da taberna foi acercar-se do conteúdo do forno…. Dirigiu-se depois a casa e falou do sucedido à mulher e à filha. Estas manifestaram-se tão incrédulas quanto surpresas e engendraram plano ardiloso secreto e sábio.

Já horas depois, regressava a casa o homem do leitão misterioso, quando se deparou com uma donzela chorosa e inconsolável vestida de negro luto e em prantos só semelhantes aos de tenra viuvez.

- Que tendes menina, porque chorais? – Questionou o homem.

- Foi meu regalo, meu porquinho de asas brancas, que me desapareceu. Se não foi roubado ou vítima de dentes de lobo mau voou certamente sem rumo e destino… Ai que saudade saudosa já sinto em minhas profundezas!

O homem por ali se quedou incomodado com tamanha tragédia, na qual se sentia envolto em remorso, tentando dar uma no cravo e outra na ferradura, pois que sentia o coração qual animal que não dava sossego à pata, escondendo seu embaraço e culpa no cartório. Quando, por fim, deu acordo das horas correu, aflito, ao forno para tirar o leitão antes que este se esturrasse.

Chegado ao local não viu senão forno aberto, e do leitão, apenas o cheiro e a vara ainda quente e fumegante.

Correu, pois pela rua, gritando que lhe tinham roubado o belo do leitão… ai que isto foi obra do Mafarrico… gritando sufocado para dentro que ainda lhe havia de vir maior castigo por barbaridade e gula…

Alguns vizinhos, dos mais sarcásticos, lá lhe foram dizendo, com palmadinhas nas costas:

- Deixa lá! Teve asas…. Teve Asas…

- Olha lá, e moela, o bicho tinha moela?

- E a cachola, como era a cachola?   Não é a tua. A do bicho… Ahaha…

- Cachola tenho eu agora…

E o animal, era bicho ou bicha? Afinal? AhAhAh…

 

Foi tal a risada e o burburinho, que ainda hoje parece haver repetições efémeras e fugazes da lenda.

                   Leitões com asas…

 

 

 

Fonte (das balelas), Cais das mentiras abaixo, Tombo das petas grandes. (Lá para o ano de muitos tempos esquecidos).

                            Bigorna, 2023*

·         Escrito para participação nas comemorações do Dia Mundial do Teatro no Município de Mealhada


segunda-feira, 3 de abril de 2023

 Tudo fogo de Vista (Nada de Novo)


Há um delicioso, como quase todos, poema de António Gedeão, intitulado “Poema do Homem Novo”

Que diz, sumariamente:

Niels Armstrong pôs os pés na Lua
e a Humanidade saudou nele
o Homem Novo.

(…)
Com redobrado alento avança mais um passo,
e a Humanidade inteira,
com o coração pequeno e ressequido,
viu, com os olhos que a terra há-de comer,
o Homem Novo espetar, no chão poeirento da Lua, a bandeira da sua Pátria,
exactamente como faria o Homem Velho.

 

As minhas vivências, que de tenra idade tive com a Católica Eclésia, sempre me levaram a tecer algum cuidado na avaliação da grande bondade, abertura e diferença deste Papa (de Bergoglio transformado em Francisco). Pois haveria a Santa Igreja de se enganar, quando o nomeou para sucessor de Pedro (mas também de Paulo), um homem inovador, progressista, revolucionário de ideias? Não. Esqueçam, acordem e sigam para antigamente, de novo.

Foi este pobre Papa internado, mui malato. Mas, logo que a comunicação dele se acercou, não tardou a passear-se pelo Hospital romano, distribuindo guloseimas e presentes às crianças (sob uma diagnosticada infecção respiratória e sem o uso de máscara, na ala oncológica da pediatria de um hospital de topo), e pasme-se. Aproveitando da absoluta e miserável escassez de Padres em Roma e, certamente da inação do Capelão daquele Hospital, zás. Baptizou um bebé, livrando-o das garras de Mephistófoles e do fogo dos infernos… Tudo sob a discreta presença das câmaras e dos holofotes, “… exactamente como faria o Homem Velho”.

E ainda há quem proponha o casamento dos padres… se assim suceder, só mudará uma coisa. Eles vão ter filhos e em vez de comclave Papal teremos, no futuro, sucessão dinástica como na Monarquia.

 

Vá. Agora destilem ódios, que o inferno espera-vos e o diabo não perdoa.

  Pimenta no cu dos outros… (Série)   Inspirado num poste sobre espera. A vida, se a observarmos, de todos os lados, e a conseguirmos ...