quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

 

É Natal.

 

É natal, o mundo apodrece, mas ao que parece não cheira mal.

Enfeitei uma árvore com muitas bolinhas, redondas, branquinhas, de naftalina.

É bonito, é fino, e assim, o cheiro, disfarça a malina.

 

Decoram-se as ruas com mil pobrezinhos, de todas as cores, bem desgraçadinhos.

De mãos estendidas, caídos de si, carpindo estertores, em mil coreografias,

rendendo graças, vestindo horrores, aos ricos bonzinhos.

 

É natal e eu faço um presépio.

Façam-me o obséquio, não lhe chamem curral!

Ponho nele um menino,

bem pequerruchinho, contente e meiguinho.

Parece normal…

Assim, pequenino, posso torcer-lhe o pepino,

já pouco importa que ele seja divino.

 

É a festa do pai natal,

da Popota, do burrinho, da vaca

e do raio que os parta.

É dia do senhor que nasceu nas palhinhas,

E que se destina a findar muito mal!

Mas deixem lá…. Afinal é natal…

                                                  Poesia de Bigorna

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

 

Inimputáveis

 

Várias têm sido as notícias que nos vêm dando conta de uma tremenda matança, selvagem, de animais silvestres, algures às portas da “capital do império”.

Algumas dessas notícias faziam referência a uma actividade de caça. A mim pareceu-me uma actividade que envergonharia o mais frio dos magarefes. E, ainda assim, não vi muitos caçadores nem contentes nem tristes a distanciarem-se deste acto desmedido e encarniçado. Que grande vontade de matar. Diz-se que foram 540 animais, entre javalis e cervídeos, numa herdade murada. Presumo que os animais não fugiram porque não lhes deu vontade.

Não sou contra a morte de animais. O ser humano tem que matar para não morrer. Se não matar animais terá que matar plantas, que pedras ainda me parece difícil comer.

A caça nasceu com o homem como forma de se sustentar, tal como outros animais o fazem, quer corram atrás de outros animais, quer apanhem as quietas plantas. Com uma grande e nobilíssima diferença. Apenas o necessário à satisfação do momento, num estrito compromisso de amanhã haverá amanhã.

Ali, a satisfação foi a morte. Foi uma nítida antecipação do dia dos santos inocentes.

Alguns falam de possíveis crimes, outros de crimes éticos, outros de crimes contra a natureza.

É provável que sim, que possa ser encontrada matéria para imputação de crimes. O que não me parece é que haja a quem os imputar. Da forma como vi a manifestação da Vã Glória de matar, por parte dos tais monteiros, não imagino maneira ou forma de lhe assacar responsabilidade.

Como sabe quem me conhece, desde há muito que venho dizendo: Só tem Culpa quem pode…

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

 “O que é um peido pra quem tá cagado?”


Senhoras e Senhores passageiros deste destino inexorável. Um sorriso fica-nos sempre bem, acreditem, ainda a procissão vai no adro, ainda falta estoirar muito foguetório e, tal como expressa a Extensão de Gattuso À Lei de Murphy: “Nada é tão mau que não possa piorar”.

Haveria eu os meus tenros ignorantes e longínquos 25 anos, na altura a frequentar o último ano do curso, na Sábia e Altiva Lusatenas, e senti “claramente sentido”, o sentido que tem o turbilhão da ira dos deuses mais brincalhões.

Eram quase nove da madrugada, acordei, de boca seca e dor na mona (tinha-me atulhado de estudos na noite anterior…), atrasado de tempo e de vontades.

A custo desenvencilhei-me dos lençóis, que tudo faziam para contrariar o meu ímpeto de assistir às aulas (eles lá teriam as suas razões). Corri para o chuveiro, reguei-me com água por dentro e por fora, com água que teimou em chegar-me fria a todo o lado. Ensaboei-me apressado. Abri novamente a torneira que, em vez de cuspir água para fora, fez um desesperante glu, glu, aspirando os últimos pingos para dentro, anunciando que tinha feito greve ao meu banho.

O meu quarto era num saudoso 4º andar, aquecido, ternamente, por três, abaixo, de lindas estudantes. Enrolei-me na toalha, dirigi-me, ensaboado, enregelado e envergonhado do meu fraco porte atlético, ao elevador, para aproveitar a lei da gravidade da água que esperava encontrar num chuveiro da cave (era o último ano e já conhecia as sebentas quase todas).

O elevador, servil e manhoso, fez questão de parar no terceiro, no segundo, no primeiro (sempre para entrarem belas moças que mostraram bem, com o olhar, o que pensavam do meu aspecto e da minha fraca figura), e quedou-se, caprichoso mudo e mole, entre o primeiro andar e o R/C, avariado e avariando –me os nervos. Bonito serviço! Que a estupidez nunca falte ao meu colega que desabafou, sem pudores de sabedoria: - “Ainda bem que a luz está acesa, é que eu sofro de claustrofobia…”.

A primeira aula já tinha ardido e eu já espirrava de frio, quando o elevador retomou a marcha para o R/C e depois para a cave.

Livrei-me do sabão com uma minúscula quantidade de água que desceu por um fio fino, do chuveiro até mim, sequei-me, enrolei-me na toalha, tremeliquento de frio e de raiva e subi, no elevador, desafiando-o em voz alta, para que as colegas e os colegas que comigo viajavam, em abundância rara, percebessem que eu não parecia só esquisito, estava mesmo doido varrido.

Vesti-me. Quando voltei a passar pelos chuveiros senti correr água, fui fechar a torneira e verifiquei, com agrado de lágrimas, que já tinha voltado a água ao 4º andar. Porra!

Voltei a desafiar o elevador. Como já levava um ar decente, minimamente, apenas entrou uma colega, das que eu menos gostava, e das menos bonitas, e a viajem foi rápida.

Saí para o exterior da residência, pelas traseiras, por uma escadaria que dava acesso rápido às aulas. Mal tinha posto o pé nas escadas e já o S. Pedro, que devia estar mesmo à espreita, descarregava toda a água que podia, numa chuva grossa e furiosa.

Quando cheguei ao átrio das salas de aula estava mais molhado do que em qualquer momento do banho matinal. Parecia um guarda-chuva fechado.

Constatei, num misto de ira e de alívio, que não estava atrasado para a segunda aula, mas esta não se iria realizar por falta do professor. Irra!

Decidi ir tomar um café, para acalmar as dores de cabeça, dos excessos “estudiosos” da véspera.

Desci as escadas do edifício, para me dirigir a uma tasquinha, em frente, que chamávamos de, nunca percebi bem porquê, “Porcalhota”. Não cheguei lá. Consegui enfiar um pé, quase até ao joelho, numa enorme poça de água, que o S. pedro enchera, a propósito, e à medida…

Decidi que o dia não iria continuar assim. Dirigi-me para o meu 4º andar, pela escada (não fosse o elevador estar de conluio com as horas más da existência), e deitei-me. A cama era baixinha, o trambolhão, se acontecesse, não seria certamente grande.

 

Há poucos dias atrás, enquanto sorvia um café, acompanhado de duas colegas de trabalho, numa curta pausa de trabalho, junto ao canal da Ria de Aveiro, esbocei um sorriso, só para mim, ao recordar este episódio. Este sorriso não chegou a todo o rosto e não tive tempo de partilhar o seu motivo. Passou uma gaivota, ou desarranjada dos intestinos ou telecomandada por alguém dos céus, e cagou-me, literalmente, em cima.

E sim, foi mesmo para mim. Não correu mal, escapou o chapéu, no qual faço prosa, a mesa, e também, ilesas, as minhas colegas.

Voltei para o serviço com uma só interrogação:

- Qual será o verdadeiro significado de Annus, na expressão “Annus Horribilis”?

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

 

Boa Saturnália!

 

Escultura Saturnalia de Ernesto Biondi (Jardim Botânico de Buenos Aires)

Está a chegar esse festival a que Catulo chamava de “o melhor dos dias” e durante o qual as normas e leis Romanas eram suspensas ou podiam não ser observadas.

Nada mais parecido com as excepções natalícias aos rigores do confinamento.

Espero que o Corona Vírus esteja desatento e tudo corra bem.

Afinal Festa é Festa...


domingo, 13 de dezembro de 2020

 

As Vacinas e os Profissionais na Saúde

 

Fui-me habituando a constatar que os profissionais de saúde, não são, por norma, fáceis de tratar, nas suas mazelas físicas e espirituais, e também não são dos que mais aderem a medidas preventivas, no que à sua saúde concerne.

Ilustração de Danielle-Mae (Obrigado)
Não só parecem pouco crentes nos tratamentos, como ainda descuram a preservação da saúde, ou vivem a tremer de coragem quando são convidados a provar os remédios que recomendam.

Um dos campos onde esta realidade é bastante evidente é a vacinação.

Nunca nos distanciamos muito de uma mísera adesão de metade dos profissionais (sem variações significativas para as diferentes classes), e isto tendo em conta que para os mesmos existe disponibilidade para se vacinarem 100%.

Alguns, por altruísmo, outros por medo anunciado, outros por medo escondido, outros por valentia e por considerarem o seu sistema imunitário à prova de qualquer “perdigoto”, mesmo dos mais ranhosos, facto é que as vacinas não lhe “entram”. Acho que alguns aproveitam, apenas, para “virar o bico ao prego”.

Tudo parece bem quando acaba bem. Mas nem sempre será, exactamente assim. Estamos a tornar-nos um sector que emprega a mesma gente envelhecida que tenta tratar. O envelhecimento é tão transversal aos profissionais da saúde quanto à população em geral, e a morte e a doença, tirando algumas diferenças que a assimetria do conhecimento e dos recursos acentuam, também não desviam muito a esta transversalidade.

Gosto de pensar bem dos meus colegas. Acreditem que é verdade. Somos massa de padeiros semelhantes e, se o levedar não estragar demasiado o pão, lá teremos defeitos e virtudes semelhantes.

Gosto, inclusivamente, de pensar que me posso enganar, que tenho dúvidas e que os outros também. Até gosto de um pensamento que se atribui (e fico na dúvida se a Charles Chaplin se a Che Guevara): “Gosto dos meus erros, não quero prescindir da liberdade deliciosa de me enganar.”

Por estes motivos, gostava de propor uma reflexão mais flexível, numa quimera mais solidária, mais orientada para o bem comum.

Muitos profissionais manifestam a sua vontade de adiar a sua adesão à nova vacina para a Covid-19, alegando que a mesma pode não estar ainda devidamente testada. Pois parece me insensato. Ou será avisado, mais do que eu sei! Breeeee que meeedo….

Raciocinemos: grande parte das pessoas que estuda, testa, produz e avalia o efeito das vacinas são profissionais da área da saúde. Será por os conhecermos tão bem, e os acharmos parecidos connosco, que tememos a fineza do seu trabalho? Certamente que não!

Será que as grandes empresas farmacêuticas, que produzem vacinas como outros medicamentos e o fazem com o mesmo zelo e vontade com que os bancos “apalpam e mimam” as notas mais valiosas, estarão na disposição de falhar e “aniquilar” a galinha dos ovos de oiro? Certamente que não!

Se as vacinas resultarem, a prosperidade voltará; poderemos voltar a destapar os nossos cansados “focinhos” (destes fastidiosos farrapos), poderemos voltar a abraçar-nos de costelas e peitos famintos de pele. Vá lá. É que isto, se resultar, só resulta se formos muitos, e muitos a mostrar que vale a pena tentar.

Medo que tenha efeitos indesejáveis. Certamente que terá. Ontem comi feijão e brócolos, não esperava que me causassem flatulência… Mas tem sido difícil… ai tem…

Medo? Medo deveremos ter da doença e dos seus efeitos imprevisíveis e das suas sequelas.

Medo? Medo devo ter de transmitir a doença aos meus mais significativos ou aos mais significativos de alguém.

Medo! Medo deviam ter os que se ofereceram para os testes da primeira etapa… Medo!? Medo devem sentir os doentes quando os convidamos a cooperar com os nossos alunos que vão executar técnicas, NELES, que nunca fizeram noutros… Medo!?

Um pouco de solidariedade impõe-se.

Eu, por mim, logo que possa ter um frasco de vacinas, vou sentar-me, desnudar uma porção, estritamente necessária do meu deltoide, e vou, a tremer de coragem, auto-administrar-me a primeira dose.

Depois, espero não adoecer com covid, espero não transmitir covid, espero que aconteça isto aos milhares de milhões, e espero, espero mesmo, aguardar serenamente a morte, que um dia será tão certa como já ter cometido erros e ter-me enganado.

Não quero e não posso colonizar o teu cérebro com as minhas ideias. Quero apenas ter a certeza que pensas sobre o assunto, e que, na tua enorme generosidade, seja contigo, seja com os outros ou com os dois, se encontrares uma razão verdadeiramente válida para não nos vacinarmos, que a partilhes urgentemente connosco.

                (Escrito sob um céu de quase Inverno, nas margens do quieto e quase morto Cértima, em completo desacordo com acordo vigente) Bigorna, 2020

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