quarta-feira, 12 de abril de 2023

(Desenho de Danielle Duran) - Obrigado

A Lenda do Leitão com Asas

 


Conta-se por aí, em dias de pouco assunto e quando as conversas são sobre o nada das nossas ideias vazias, que um certo homem, tomado de feitiço, dizem uns, ou de mau olhado de sogra, dizem outros ou ainda outros que terá caído da burra depois de uma pançada de cogumelos silvestres, conheceu, num dia de bruxuleante sol de Outono, um estranho avistamento. Avistou, ele, um leitão gordo, anafado e voador, com um belo par de asas qual anjo papudo e sorridente.

(Rotunda do Cardal) - Fotografia de Bigorna
- Anda cá meu maganão! Toma lá um tiro no bucho. Vais ser um regalo no forno. –  E logo o homem se prontificou a dar-lhe farto e faustoso destino opíparo.

Amanhou-o, temperou-o a preceito, espetou-lhe a impiedosa e sádica vara, coseu-o, e deu quente e infernal forno ao angélico infante suíno.

Enquanto o deixava a tomar de loiras cores e delirantes sabores, foi pela rua contar a novidade à vizinhança, que tendo nele poucas certezas, pareceu ter feito pouco caso e orelhas moucas, ainda que isso não tivesse assim surtido facto em todos os mortais.

Um certo vizinho, que de maroto tinha no sangue os taninos da baga e o génio da touriga, atentando que o gabarola do caçador do leitão angélico alado tomava o caminho da taberna foi acercar-se do conteúdo do forno…. Dirigiu-se depois a casa e falou do sucedido à mulher e à filha. Estas manifestaram-se tão incrédulas quanto surpresas e engendraram plano ardiloso secreto e sábio.

Já horas depois, regressava a casa o homem do leitão misterioso, quando se deparou com uma donzela chorosa e inconsolável vestida de negro luto e em prantos só semelhantes aos de tenra viuvez.

- Que tendes menina, porque chorais? – Questionou o homem.

- Foi meu regalo, meu porquinho de asas brancas, que me desapareceu. Se não foi roubado ou vítima de dentes de lobo mau voou certamente sem rumo e destino… Ai que saudade saudosa já sinto em minhas profundezas!

O homem por ali se quedou incomodado com tamanha tragédia, na qual se sentia envolto em remorso, tentando dar uma no cravo e outra na ferradura, pois que sentia o coração qual animal que não dava sossego à pata, escondendo seu embaraço e culpa no cartório. Quando, por fim, deu acordo das horas correu, aflito, ao forno para tirar o leitão antes que este se esturrasse.

Chegado ao local não viu senão forno aberto, e do leitão, apenas o cheiro e a vara ainda quente e fumegante.

Correu, pois pela rua, gritando que lhe tinham roubado o belo do leitão… ai que isto foi obra do Mafarrico… gritando sufocado para dentro que ainda lhe havia de vir maior castigo por barbaridade e gula…

Alguns vizinhos, dos mais sarcásticos, lá lhe foram dizendo, com palmadinhas nas costas:

- Deixa lá! Teve asas…. Teve Asas…

- Olha lá, e moela, o bicho tinha moela?

- E a cachola, como era a cachola?   Não é a tua. A do bicho… Ahaha…

- Cachola tenho eu agora…

E o animal, era bicho ou bicha? Afinal? AhAhAh…

 

Foi tal a risada e o burburinho, que ainda hoje parece haver repetições efémeras e fugazes da lenda.

                   Leitões com asas…

 

 

 

Fonte (das balelas), Cais das mentiras abaixo, Tombo das petas grandes. (Lá para o ano de muitos tempos esquecidos).

                            Bigorna, 2023*

·         Escrito para participação nas comemorações do Dia Mundial do Teatro no Município de Mealhada


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