“O Amigo Certo conhece-se na hora Incerta”.
Parece ser um dito popular, mas com muita verdade. Mesmo nas situações mais simples. Esta manhã, um amigo que muito me honra com a amizade que me dispensa, inspirou-me esta história. Não é um conto original, mas eu permito-me emprestar-lhe o meu ponto.
O meu amigo coleciona relógios, muitos, ao tamanho do seu bom gosto e cultura e todas as qualidades que possui. Estava a mostrar-me um relógio que tinha a particularidade de ser como os nossos calendários antigos, de secretária, que tínhamos que acertar todos os dias. Este relógio também era assim. Ele tinha que o acertar de cada vez que queria mostrar as horas. Não que o relógio não pudesse, eventualmente, estar certo. Para quem lhe não ocorra, um relógio parado está certo, rigorosamente certo, duas vezes por dia. O que pode não acontecer com os outros, que funcionam. Ele fez-me recordar uma anedota que meu pai contava. Meu pai contava as mesmas anedotas muitas vezes (talvez receoso de que eu, um dia, pudesse não me ementar delas, ou então para eu as perceber).
O Jaquim, da minha terra, em moço, foi, como criado de servir, para uma grande herdade. Antigamente era assim. Alguns dirão, uma escravatura, outros dirão que hoje ninguém quer trabalhar. Há dias encontrei uma resposta, quase nova, para algumas boquitas reacionárias: “Pimentorium in culus otrem refrescus est”. Tradução: Se para ti for a estrear, experimenta e logo vês.
Chegado à herdade, o maioral de gado instruiu o Jaquim:
- Repartes esta assoalhada com o burro aqui da quinta. O cheiro, acho que o animal se habituará, na tarda. Quando, pela manhã, o jerico zurrari, tu alças a caganeta do estrume e vais trabalhar pró monti, qué uma beleza.
No primeiro dia, o burrico zurrou às 6 da matina. Jaquim levantou-se da palha, num salto, lavou o focinho à gato, passou no curral da mimosa e tomou o pequeno almoço directamente das tetas e saiu, penteadinho, com uma lambidela na franja. Não trocou de roupa e ninguém lhe perguntou se ia de pijama para o trabalho. Recomendação – (façam desenhos para os mais distraídos) - Obrigado.
No segundo dia, o burrinho, talvez a pedido da entidade patronal, zurrou às 5 e meia da madrugada. Mesma rotina. Apenas acrescentou algumas orações laudatórias “ora porra para a minha sorte…”.
5 da manha, do terceiro dia, e o burro: IO, Io, IO… brrrr (tradução Google “etc”). Joaquim esfrega os olhos. Pensa em voltar para casa, mas teme levar alguma carga de pancada e ficar a dormir por 3 quinze dias, e avança para a seara, a mandar vir carvalhos com folhas e tudo.
Chegado a casa, sol posto e ceia na pança, entra no luxuoso hostel e logo se propala pelas planícies um estardalhaço infernal. Este escarcéu alardeou toda a vizinhança. Até o patrão veio tomar nota do sucedido.
Na porta do curral, todos já em cuecas e ceroilas, perguntam porquês, respondem impropérios e rezam a santa pipa da cachaça. Pronto se assola o Jaquim, na porta, com as calças caídas aos pés e o sinto em riste no costado do burro, a dar desembrulhar vergastadas, até vir a avó da missa:
- Não se apoquentem. Vão às vossas vidas. Eu estou apenas a acertar o relógio!
Bigorna (XXIX6023X)
(Relógio de Burro)
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