País de “fingidores”
Enquanto os pobres e desgraçados
dos governados vão “fingido dores verdadeiras”, os governantes vão fingindo
encenações, comédias e dramas. As tragédias ficam para os que se passeiam pelas
grandes superfícies e comem com os olhos “um caldo de lágrimas antigas” (António
Arnaut in poema Os Meus Heróis), para os que fazem origami nos papelões para se
cobrirem com lençóis a fingir, para os que olham para os seus recibos de
vencimento e fingem que o patrão se enganou e lhe entregou os descontos em vez
do ordenado (não podem fingir que trabalham ou enganam o patrão, porque isso
não está no guião).
São tradições antigas: “O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que
chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente” (Pessoa).
É outro F a
acrescentar A “Fátima”, “Futebol” e “Fado”. E ainda há o “F” de “fecundados”
com tanto fingimento.
Os comentadores
televisados e jornaleiros fingem que fazem comentários em mote próprio, os donos
da comunicação social fingem que ninguém lhes encomenda as perguntas – Excepção
feita a um repórter que, ontem, em Espanha (enquanto, por lá, se fingia que o
papel desempenhado pelo Senhor Secretário Geral da ONU está a ser bem
representado e se brincava às condecorações e homenagens), fez uma pergunta, ao
Senhor Presidente da República, sobre as relações entre este e o Senhor
Primeiro Ministro. Claro que esta pergunta, feita no estrangeiro e no contexto
em que foi feita, só pode ser uma curiosidade pia do jornalista que a fez. Fez esta
pergunta como poderia ter perguntado se o Senhor Presidente lavou as mãos e os
dentinhos pela manhã ou se estava a usar cuecas fio dental ou se ia comer um
gelado com sabor a (…), fica o espaço para o leitor preencher e contribuir
(agora finjam que não têm ideias!). Trivialidades, que no teatro são mais
conhecidas por “buchas” (com mais ou menos qualidade conforme a qualidade dos
actores – no caso percebem-se consentâneas com a opereta em tournée, qualidade
não duvidosa a menos que finjamos o contrário).
(Desenho, aldrabado, por Bigorna) |
Depois ainda há os
que fingem que não fingem e os que fingem demonstrar, no seu pensamento, que o
direito ao fingimento é só para alguns. Por exemplo, o Senhor Ministro das
infraestruturas, segundo os comentadores, fingiu a sua demissão. Também,
segundo os mesmos, o Senhor Primeiro Ministro fingiu que ele não fingia, fingiu-se
ofendido e recusou o pedido. A oposição fingiu que estas encenações são uma
novidade, finge que finge bem para tentar disfarçar a “canastrice” e finge que
acredita que aos outros não é permitido fingir, numa espécie de: “enganarem-nos
a nós que vínhamos aqui para os enganarmos a eles…”. E fingem-se de amuados,
mas como o gado muar é difícil de imitar, fica o fingimento mal fingido.
O Senhor Presidente,
que não finge, fez o papel que sempre fez (como se proferiria em linguagem
dramática, declamou, que podia demitir, que podia dissolver, que podia mandar
descer o pano, apagar as luzes, desligar o som e devolver os bilhetes aos
espectadores). Mas nada aconteceu. No Teatro é assim.
Nós fingimos que não
acreditamos nisto.
Os Leitores fingem
que isto faz sentido. Obrigado (com vénia teatral à boca de cena).
Eu finjo que isto tem
graça para não disfarçar a falta de qualidade do texto e do contexto, e para
não chorar.
Finjamos todos! E fujamos!
Antes que nos obriguem a bater palmas ou a comer algum gelado com sabor a isto
tudo (camadas…).
(daqui a uns dias
este texto não faz qualquer sentido, a menos que nos lembremos que isto pode
ser só uma versão remasterizada da “Alegoria da Caverna”, em Portugal
contemporâneo, a “Paródia do Antro”)
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