Que hora é esta?!?
O Jaquim, da minha terra,
confessou-me andar um pouco sem saber das horas. Mais do que isso, lamentava-se
ele, entre um trago de cachaça e um cofiar das barbas argênteas:
Ilustração de Danielle-Mae (Obrigado) |
E lá me contou ele, com os cantos
da boca para baixo e os sobrolhos enrugados como
papel que se lança ao lixo:
- Primeiro vieram uns, lá das
vacinas do vírus da Covid, dizer que a eficácia da sua poção mágica era de 90%.
Depois, vieram outros e logo se apressaram a dizer que a deles era melhor, e
mais isto, e mais aquilo, e que chegava aos 95%.
- E isso não são boas notícias
Jaquim? – Perguntei-lhe eu encavacado.
- Talvez, se isso não tivesse
feito com que os primeiros emendassem a mão, para dizerem que a sua vacina
também preveniria 95% das infecções. Assim, como quem tira um gato de dentro de
uma cartola. Sim, que já se vê que aqui anda gato escondido com o rabo de fora.
E como se não bastasse, Bigorna,
veio um terceiro feiticeiro, que tinha anunciado uns míseros 70% de eficácia, e
diz que se enganou a testar a poção mágica, e que depois de mais uma colher bem
cheia do postemeiro, a eficácia se levantava para os 90%. Espero que tenha
explicado isso às cobaias.
- Pois. Até dá vontade de Orar.
Ora merda para isto tudo! Perdoa-me lá Jaquim, a veemência da minha oração… Não
tarda, se algum se arvora em ter eficácia de 100%, LOGO OUTROS VIRÃO DIZER QUE
A VACINA DELES CURA TUDO… E TUDO E TUDO… E pena será que não cure a intrujice e
a mentira e a avareza e… e a injustiça e a fome e falta que faz a poesia…
- É disso que te estou a falar,
Bigorna. Até me sinto fora do tempo e a recordar aquela vez em que me cruzei
com a Maria Xarope de Giesta, quando ela vinha das terras (de cavar, mondar,
regar e chorar), e eu lhe perguntei se ela tinha horas.
- E então, Jaquim, que te
respondeu ela?
- Disse-me, na sua simplicidade
do tamanho do mundo: “Não tenho relógio Jaquim, costumo ouvir o
sino da torre, e parece, parece, Jaquim, que me deram duas, ali atrás da mata.”