As Palavras,
Ah! As palavras. Essa humana tão quase perfeita construção!
Essas ingratas que nos escapam por entre uma prega rasgada na
garganta,
Umas vezes inflamadas,
outras vezes dolorosamente entaladas pela dura vida e pela
tinta da ilusão.
Elas são por vezes tão malvadas, tão traquinas,
tão resistentemente escondidas ou destravadas…
(Fotografia de Bigorna) |
Deveriam, elas, as palavras, permitir dizer tudo sobre um
amigo, sobre a sua magnitude, sobre a sua claridade… sobre o homem e sobre a
sua construção… sobre o estar contigo… sobre a cor da Alma e sobre o coração…
Mas, se esse Amigo é tão grande, seria necessário conhecer
todas as palavras e todas as suas combinações,
todos os seus significados e os seus contrários,
todas as formas de descrever o Universo e todas as emoções.
Não me sinto capaz de as usar,
sem que as lágrimas inundem as letras e as baralhem,
as diluam e fundam, interpondo-se,
persistentes, entre o silêncio e a palavra seguinte.
E sem o silêncio,
entre cada palavra,
fica distónico o discurso, profuso e confuso,
tal qual o fio de água que nem enceta nem completa.
O que eu queria era escrever como pingos da chuva.
O que eu queria era saber escrever os silêncios que permitem
ver as gotas de água.
São afinal essas gotas de água, pequeninas,
que carreteiam toda a substância,
igual à dos grandes dilúvios, mas que com a qualidade
própria,
nos seus interlúdios,
fazem perceber a grandeza do Amigo, fazem saber o valor dos murmúrios…
São afinal as gotas, intermitentes, do Amigo, que escrevem,
na pedra dura do nosso caminho, todas as palavras, todas a ideias urgentes.
Ah! As palavras. Essa humana tão quase perfeita construção!
Para quê as palavras, se afinal só o silêncio lhes dá emoção…
Melhor, mesmo é pegar no dicionário, ao vento, juntar-lhe a
música de todos os universos, e deixar soprar, pelo maior dos buracos negros, a
mais silenciosa canção!
Bigorna,
2019