quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

As Palavras,

 

Ah! As palavras. Essa humana tão quase perfeita construção!

Essas ingratas que nos escapam por entre uma prega rasgada na garganta,

Umas vezes inflamadas,

outras vezes dolorosamente entaladas pela dura vida e pela tinta da ilusão.

Elas são por vezes tão malvadas, tão traquinas,

tão resistentemente escondidas ou destravadas…

(Fotografia de Bigorna)

Deveriam, elas, as palavras, permitir dizer tudo sobre um amigo, sobre a sua magnitude, sobre a sua claridade… sobre o homem e sobre a sua construção… sobre o estar contigo… sobre a cor da Alma e sobre o coração…

Mas, se esse Amigo é tão grande, seria necessário conhecer todas as palavras e todas as suas combinações,

todos os seus significados e os seus contrários,

todas as formas de descrever o Universo e todas as emoções.

Não me sinto capaz de as usar,

sem que as lágrimas inundem as letras e as baralhem,

as diluam e fundam, interpondo-se,

persistentes, entre o silêncio e a palavra seguinte.

 

E sem o silêncio,

entre cada palavra,

fica distónico o discurso, profuso e confuso,

tal qual o fio de água que nem enceta nem completa.

O que eu queria era escrever como pingos da chuva.

O que eu queria era saber escrever os silêncios que permitem ver as gotas de água.

São afinal essas gotas de água, pequeninas,

que carreteiam toda a substância,

igual à dos grandes dilúvios, mas que com a qualidade própria,

nos seus interlúdios,

fazem perceber a grandeza do Amigo, fazem saber o valor dos murmúrios…

São afinal as gotas, intermitentes, do Amigo, que escrevem, na pedra dura do nosso caminho, todas as palavras, todas a ideias urgentes.

Ah! As palavras. Essa humana tão quase perfeita construção!

Para quê as palavras, se afinal só o silêncio lhes dá emoção…

Melhor, mesmo é pegar no dicionário, ao vento, juntar-lhe a música de todos os universos, e deixar soprar, pelo maior dos buracos negros, a mais silenciosa canção!

                                                                                                              Bigorna, 2019


1 comentário:

  1. As palavras e a música nasceram, foram libertadas pelos nossos antepassados hominídeos, ao mesmo tempo.

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