Ilustração de Danielle-Mae. Obrigado. |
Não gosto da voragem das legendas dos filmes. Sou lento, não nasci no lado inteligente da família e, quando não consigo ler, deixo de entender a história.
Acabo por desistir de ver o filme ou, tal como na vida, quando as pessoas vão demasiado rápido, acabo por não as conseguir saborear, perco-lhes o interesse, ficam apenas cenas de filme, com ou sem cor, com ou sem acção, com ou sem sal, apenas cenas de filme.
Há poucos dias, no vagar de que gosto, em tempo de férias e enquanto o vírus corria atrás das pessoas e as pessoas atrás de notícias dele, fiz uma visita guiada ao magnífico Museu Ferroviário, em Entroncamento. Fica a recomendação e a nota do que me fascinou e facilitou na visita, pessoal apaixonado pela lenta história da evolução da ferrovia. Obrigado.
Entre muitas e muitas histórias que fomos ouvindo e partilhando, entre as curiosidades da evolução tecnológica e outras, a viagem terminou com a apresentação de um pequeno vídeo que se iniciava à velocidade das primeiras locomotivas a vapor, e terminava à velocidade inimaginável dos comboios que levitam nas linhas sob influência de campos magnéticos, a 600 quilómetros por hora. Até as datas e as legendas corriam mais do que os meus neurónios podiam ler.
Foi durante esse espanto, esse instante rápido, quiçá, pela sua rapidez, “que meus nervos se enervaram” e me veio à memória uma estória contada por um vetusto contador de estórias.
Por ter, quase certo, fundo de verdade, e por ter contexto geográfico concreto, vou omitir esse contexto e pensar que podia ter acontecido no teu próprio lugarejo, algures no polo mais a sul das sextas-feiras das nossas vidas, onde o tempo não conta, onde a pressa é só de continuar a existir e a conhecer coisas belas.
Num tempo em que nas aldeias, as bicicletas, sendo uma raridade, constituíam motivo de ir ao largo do coreto para vê-las passar, um certo remediado homem encomendou uma bicicleta para o filho:
- Pode ser de cor preta, mas não assim muito preta, um preto que seja clarinho…
Chegada a bicicleta à aldeia, logo o rapaz se jungiu nela e foi dar seu passeio.
Quando ao fim do dia voltou para casa, o pai, que o esperava ansioso, perguntou-lhe:
- Então filho, gostaste de andar de bicicleta?
- Assim assim, senhor meu pai… - Respondeu-lhe, algo desiludido o filho. – A gente vai, meu pai, por esse mundo que deus tem, a passear, e a modos que se vê tudo muito depressa…
Do Cancioneiro popular do Baixo Mondego.
ResponderEliminarOs salgueirais do Mondego
A tristeza os faz vergar
Dizem às águas correntes
Não corras, vai devagar.