segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020


Ir a toa não é andar à toa…

As palavras são uma invenção deliciosamente mefistofélica…
Parece a mesma coisa. Pois, as semelhanças são muito ilusórias. O Diabo está nos pormenores!
A primeira forma é um termo náutico e refere-se ao cabo que serve para rebocar uma embarcação. Cabo e não corda. Dizem os marujos que nos barcos só existem 3 cordas: a corda do relógio, a corda do sino e acorda que está na tua vez…
Já a expressão, à toa, sugere andar sem destino, sem rota, sem orientação.
Talvez possamos “baralhar o ocaso com o nascente” e encontrar, aqui, uma confluência de ideias.
Durante as nossas épicas viagens marítimas (do tempo em que andámos dilatando a fé e o império, inventando mulatas, escravizando homens de todas as cores e aprimorando as nossas faculdades racistas), fomos tomando contacto com uma doença (hoje rara), o escorbuto. Doença que se manifestava com a deterioração das gengivas, conferindo às pessoas um aspecto repugnante.
Quando algum marujo desenvolvia esta doença, a bordo, o comandante do navio tratava de isolar esse mesmo marujo, com receio de este contagiar toda a guarnição.
O marujinho era, então, colocado numa barcaça, fora do navio, rebocada – pelo cabo “a toa”.
Este marujinho não ia à toa, ia pelo rumo e sobe o mando do navio que o rebocava. Abandonado à sorte das intempéries, esperava-o a morte, sem alimento… sem cuidados.
Quis o destino que o fado de alguns não fosse a morte (ali), porque a ela não consta que alguém escape, é uma mera questão de relógio.
Hodiernamente sabemos, algumas “coisitas”, mais do que à época. Por vezes não faz qualquer diferença, o que distingue não é o conhecimento, é, se o usamos e como o usamos. Agora sabemos que o escorbuto ocorre por carência de vitamina C “ácido ascórbico”. A alimentação, a bordo, pobre em alimentos frescos, verduras e fruta, concorria para esta situação.
Alguns marujos fintavam o destino, "sem saber ler nem escrever", comendo o único alimento disponível a bordo da barcaça a toa. Comiam as algas que se agarravam ao casco do navio. Algas verdes vitamina C. Vitamina C cura para o mal. Iam a toa mas não à toa!!

O desnorte que orienta

Por vezes o sol não nasce no Nascente.
Como se por nascer do avesso se sentisse mais contente.
Os olhos do mundo ficam estrábicos,
vesgos, tortos, torpes, assaz trágicos.

Desorienta-se-nos o Oriente e baralha-se-nos o Ocaso com o Nascente.
De Austral passa a soprar o vento Norte.
De tanta confusão se funde o azar à sorte.
O Sul perde a razão e desnorteia, cru e ardente.

Se também em ti a morte e a vida se confundem,
dá a volta à tua rosa-dos-ventos.
Pinta um arco-íris nos teus olhos
e parte à conquista de outros tempos.

Já não importa se o Sul à sorte perde o Norte,
ou mesmo se o Pôr-do-sol a Lua tenta e desorienta.
Busca a chama, repele a morte,
clama a Luz que cada noite, o dia, reinventa.
                                                                                                         Bigorna


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