quarta-feira, 24 de junho de 2020


Chupetas e Chupistas

Porquê escrever sobre chupetas?
E porque não?
Ilustração de Danielle-Mae (Obrigado)

Estamos na era espacial, a lançar sondas para o futuro. Os nossos filhos são essas deliciosas sondas para o futuro. Parece-me importante que o façamos com o máximo cuidado. E não se trata, apenas, de os fazer bem feitos. Atenção aos acabamentos!
Todos temos alguma responsabilidade nisso e convém que tenhamos, disso, consciência.
Coisas tão simples, como algumas observações, lançadas quais dejecções ao vento, podem borrar a escrita toda, de crianças e dos seus, nossos próximos, em especial quando os próximos estão muito próximos.

Inúmeras são as vezes que me deparo com observações, a propósito do uso de chupeta, e que me fazem rasgar as vestes da indignação, tais como:

            - “Ainda usas chupeta!?”
            - “Não tens vergonha de usar chupeta!?”
            - “Que menino tão feio a usar chupeta…”
            - “Tem que lhe tirar a chupeta, mamã, vai estragar-lhe os dentinhos!!!”
            - “Fica tão feio… de chupeta”

E poderia ficar, aqui, a relatar os impropérios, diversos e multicoloridos, usados nestas circunstâncias. Não raro, estas barbaridades, terminam numa das mais sinceras e simples formas de nos perdoarmos e percebermos insatisfações.
 - “Olha, dás-me a tua chupeta?
Se eu fosse criança apetecia-me perguntar:
- Porquê (tadinho), não tens tostão para comprares uma para ti?

Recomendação simples. Se não tem nada de bom para dizer, fique calado.

É, por isto, que avento algumas hipóteses para o uso de chupeta. Talvez tendamos a usar ou abusar da chupeta por ela constituir uma compensação para a nossa ansiedade. Daí que (e fico feliz por perceber a presença de ansiedade nas pessoas), face a problemas difíceis de solver, as pessoas partam para a ignorância, ou para o raio que as parta. Este diálogo, inicialmente ofensivo e insultuoso, com os bebés, afinal, redunda num desesperado pedido de ajuda aos próprios bebés.
– Se o bebé nos desse, a sua chupeta, ficaríamos mais tranquilos, mesmo não conseguindo uma solução para o problema. Usávamos a chupeta e tudo passava.

Aparentemente, a solução de um problema tão complexo como o uso da chupeta, prolongado no tempo, perturbador da nossa imagem, estará no “não início” do seu uso. Isso significa que todo o problema estaria sanado, se nunca colocássemos uma chupeta na boca de um bebé. Mas a mesma facilidade, com que afirmamos tal solução, coincide e esbarra na mesma facilidade com a qual somos confrontados com opiniões em favor do seu uso (talvez pouco científicas ou a pedir ser teses de mestrados ou doutoramentos). Em chupetas?!, ainda se fora em Chupistas!!!
Porque estimulam a sucção, porque diminuem as cólicas, porque as fábricas as fabricam e as farmácias as vendem, porque são um presente fácil, porque acalmam os bebés, porque acalmam os pais, etc.

Assim sendo, enquanto não conseguirmos evitar o seu início de uso, se isso for conveniente e correcto, interessam-nos outras questões que julgo importantes, para a nossa intranquilidade, e sob pena de, para combate da nossa insatisfação, voltarmos todos a usar as chupetas que pedimos, encarecidamente, aos bebés que enxovalhamos a propósito do dito apêndice sugável.
Pela minha parte já tive a minha dose, fui fumador durante 15 longos anos… a ansiedade, não voltarei a curá-la, com chupetas.

Aquilo que gostaria de ver resolvido é o abandono de observações que apenas constrangem, as crianças, que usam chupeta, e os pais, que se veem a braços com um problema para o qual, inúmeras vezes, não veem como um problema ou não vislumbram maneira de ver resoluto.

Sabemos que, o uso de chupeta, remonta a épocas muito remotas e que mesmo antes disso, já os bebés colocariam o dedo nas boquitas gulosas (portas de entrada de muitas satisfações). Sabemos, até, que, os nossos antepassados improvisavam chupetas a partir de rolhas (vindo a constatar que os resíduos dos deliciosos néctares báquicos, que antes rolhavam, surtiam verdadeiros milagres sob o choro incomodativo dos bebés). Sabemos que o uso de açúcares e outras guloseimas também surtia efeitos semelhantes.
Mas será que, efectivamente, o uso do dedo na boca, por parte dos bebés, é motivo para o substituirmos, compulsivamente, por chupetas?
Retirando a questão da higiene, que ainda assim não sei se será maior nas chupetas ou, muito antes pelo contrário (uma vez que na pele existe uma flora saprófita que tende a controlar a patogénica), nos dedos, não me parece que o uso do dedo deva ser substituído pela borracha.
Para além das vantagens do dedo, em relação à borracha, ou do moderno e carcinogénico silicone, há ainda que contar com o próprio controlo de uso e desuso exercido pelo dono do dedo. O bebé usa, muitas vezes, os dois meios para controlar as suas necessidades, e faz isso a seu belo prazer. Não lhe amputem a liberdade deliciosa de usar o dedo!

Há também quem atribua, ao uso da chupeta, um nexo de causalidade com o insucesso da amamentação, argumentando que a dinâmica da sucção, quando na presença de chupetas e/ou tetinas, fica alterada e pode mesmo tornar-se ineficaz face ao mamilo materno. Tal poderá acontecer em alguns casos, nunca na maioria ou mesmo perto dela, visto que muitos bebés, que usam ou usaram chupetas e biberões e dedos, continuam adeptos incondicionais da mama. E de que forma!

Retirando a questão, do início ou não do uso da chupeta, que sabemos ser uma forma de solucionar a sua dependência futura, e que sabemos também não ser indispensável à tranquilidade dos bebés e dos pais, irão permanecem-nos os problemas dos que usando ou não chupeta vão usar ou abusar do uso dela, do dedo ou de ambos, até serem confrontados com as perguntas infantis, insultuosas, e sem resultados além do aumento da ansiedade de todos os intervenientes no problema.
O que fazer então?

Em primeiro lugar, há que considerar que, muito provavelmente (a carecer de comprovação por estudos científicos estatístico- manipuláveis ou estatístico-adulteráveis), o uso tardio de chupeta ou do dedo, bem como o seu abuso (entenda-se necessidade sem a qual a criança não dorme ou não deixa ninguém dormir ou permanece com ela grande parte do tempo ou possui já marcas evidentes de deformação da arcada dentária), tem por base a existência de outras perturbações do comportamento da criança, dos pais, do ambiente familiar, social, etc.
É, esta perturbação, que leva a comportamentos de compensação e de (in)segurança transferida para objectos, que deve, isso sim, merecer a nossa atenção. Resolvidas as perturbações do sono, da segurança ou da ansiedade, que rodeiam a criança ou a família, estaremos em condições de poder retirar ou não (pesando sempre o risco benefício), a chupeta (porque o dedo não tem solução tão fácil quanto a remoção ou afastamento). O dedo está sempre à mão (quem diria).
Há que definir, em parceria e diálogo com os pais e a criança, quando é que a chupeta está a ser uma perturbação com necessidades de solução e intervenção. Não me parece fácil que haja consensos para uma idade em que a criança deva ser afastada da chupeta que, muitas vezes, foi obrigada a usar.
Mas devemos, também, ter um papel de incentivo às atitudes firmes dos pais e mães que, desde o advento das intervenções psicoterapêuticas, vivem traumatizadas com a eminência do trauma do “obrigar as crianças”. Se as crianças podem ficar com traumas por terem sido “obrigadas”, então nada se faz para as obrigar a o que quer que seja. Acontece que, pouco se pensa e reflecte, sobre a existência do trauma da falta de regras e firmeza (que conferem segurança às crianças).
Será sempre importante estarmos atentos à substituição da chupeta por outras tendências repetitivas. E as piores podem ser aquelas que são vividas no silêncio e ocultação. Mesmo quando não existe o uso de chupetas ou dedos, podem existir comportamentos que evidenciem insegurança, ansiedade e/ou outros problemas. Tendemos a achar que o bonequinho ou a fralda, que a criança nunca abandona, são muito engraçados (desgraçados, desengraçados, e pútridos, alguns), mas devemos estar atentos ao porquê do seu uso. São, a miude, substituições.

Talvez, anos mais tarde, muitas destas dependências, sejam substituídas por alguns químicos de uso lícito ou não (com licença médica – vulgo receituário – ou não).
Estou convicto de que um aumento do aporte de pele, de carinho, de afecto e ternura, podem ser uma boa terapia para os bebés e crianças que sofrem de “chupetodependência” ou de outras dependências. Mas estou também convicto de que uma reflexão carinhosa, generosa, ternurenta, sobre as nossas abordagens às chupetas dos bebes e das mães dos bebés pode também ser muito útil.
E já agora, disse-me a ternura e a reflexão empenhadas, sobre o assunto, que não adianta intervir sem indicar caminhos e soluções.
Por favor, não diga:

            - “Ainda usas chupeta!?”
            - “Não tens vergonha de usar chupeta!?”
            - “Que menino tão feio a usar chupeta…”
            - “Tem que lhe tirar a chupeta, vai estragar-lhe os dentinhos!!!”

E se se sente triste, abandonado, ou abandonada, se necessitar compensar-se, não peça a chupeta, já usada, de um bebé.
Tenha coragem e compre qualquer coisa para resolver o problema.

Apenas mais uma nota.
Evite o uso desses cadeados que seguram as chupetas ao peito dos bebés, como se quisessem agrilhoar, para sempre, o coração dos bebés, a uma chupeta de borracha.
Longe da vista, longe do coração. Se a criança tem, sempre que percebe que o chão é duro, e que a luta com a gravidade é um longo caminho, uma chupeta para calar as suas frustrações, não vai haver afecto que salve a situação, nunca. Deixe chorar, as lágrimas são para lavar a alma…
Agora uma chupeta para acalmar, logo uma chupeta para dormir, amanhã um psicotrópico qualquer para acalmar a ansiedade…
E colinho… de pai e de mãe… se de boa qualidade e sem picos…. Aaahhh! É tão bom!

Se deixamos e incentivamos a chupar em chupetas, ainda vamos acabar por criar sondas, para o futuro, que não passarão de “Chupistas”.

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