Plataforma de Acoplagem Intergeracional
Ilustração de Danielle-Mae (Obrigado) |
Há marcas que
nos marcam de e para sempre. Uma dessas marcas é o umbigo, esquecido, no meio
da pança ou na planura de uma barriga virgem e ávida de mimo. Uma depressão de
modelo tão variável que pode mesmo apresentar-se como um vale invertido.
Modelos variados, quase comparável a um dermatóglifo.
Muitas vezes
depreciado, muitas vezes alvo de julgamentos egoístas e de índole egocentrista,
não escapa a expressões como: - “vives a
olhar para o teu umbigo”; - “tens um umbigo muito grande”.
Engraçado,
poderíamos dar-lhe um valor mais introspectivo. Por ali entrou o nosso
sustento, a nossa garantia de vida, durante nove meses (na maioria de todos
nós). Por ali saiu, também, a informação para o corpo de nossas mães: - continua a segurar-me aqui dentro, ainda
não sou capaz sozinho e lá fora, onde o mundo é duro, frio e cheio de ar.
Olhamos para o nosso umbigo, com
ar de culpa e remorso, talvez por falta de sermos solidários e não por falta de
o vermos como uma das maiores provas de solidariedade. Olhamos para esta
cicatriz, indelével e ancestral e não lhe damos um ar leve, moderno,
desempoeirado, de “Plataforma de Acoplagem
Intergeracional”.
Agregados a uma
nave Mãe, com a qual viajamos no tempo e no espaço, algures num universo de
intimidades, nascemos acoplados por essa plataforma, por onde se trocaram
nutrientes e informações químicas (e outras desconhecidas ou inimagináveis
preciosidades). E, aquilo que nos ocorre é desdenhar de tão gostosa marca de
união e continuidade, em vez de a mimarmos como se fosse a porta do buraco
negro do nosso verdadeiro universo interior.
Talvez, alguns,
mais cibernéticos, invejosos da capacidade que outros têm de serem felizes,
preferissem nascer com uma ficha USB ao invés de um misterioso umbigo de pele.
E até seria mais fácil controlar a vida dos outros. Não haveria protecção de
dados que nos salvasse. Bastava ligar ao PC e todas as fomes e sedes, todas as
emoções e desconsolos, apareceriam escarrapachados, num ecrã pasmado.
Fiquem de bem
com os vossos umbigos e não tenham zelotipia de qualquer felicidade que seja.
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