A língua do Bicho
Acometo-me de pasmo. Ganhei este
quase vício fatal e forte de pasmar, e a verdade é que nem sempre pelas
melhores razões. A natureza pasma-me, mas a ignorância, tanto a minha quanto a
dos outros, também me pasma, como de pasmo quase morro e choro quando vejo um
rebanho de ovelhas ou uma criança a mamar.
Anda por aí uma dor, que não sei
exactamente de quem seja, sobre um vírus que alguns querem que seja chinês e
outros americano e outros ainda russo. Mas coitado, ninguém o quer… vai morrer
apátrida e de tão zangado, quanto me parece, pode ser revolta pelo sentimento
de abandono, faz mal às pessoas. Levem-no a um certo “pedo psicólogo fofinho à
gomes de sá” que ele logo lhe receitará apanhar sol por dentro. Talvez melhore.
Qual será, pois, a língua do bicho?
Qual será a motivação de alguns, línguas de trapo e com palmo e meio de língua,
menos de altura e menos de testa? Talvez seja trampa no caco ou talvez falta de
caco. Quiçá o tico e o teco em eterna peleja? Não entendo esta tão grande vontade
em dividir o mundo e as pessoas, em estrangeiros e etnias e fazer muros e
patifarias. E parece que o bicho não se apoquenta
nem se apouca nadinha com isso. “Tal como
mosca sem valor, pousa com igual alegria, na careca de um doutor, como em
qualquer porcaria.”
Recordo-me que, em tempos que já la
vão, fui com minha mãe ao mercado da vila. Eu teria os meus catorzes, quinze
verdes anos e minha mãe uma cota dos seus quase cinquenta. Sempre me lembro de
minha mãe ter uma simplicidade de pensamento de descongelar qualquer iceberg.
Pelo caminho cruzámos com uma menina
de cor e altura suecas que por sua vez levava, pela mão, uma menina de cabelos
loiros e olhos azuis, aí pelos 4 anitos. As duas seguiam conversando, naquela
língua tão estranha que só poderia ser sueco.
Minha mãe olhou para mim e apenas
disse, com a simplicidade que sempre lhe conheci:
- Não consigo perceber como é que
aquela criança, tão pequenina, e já fala e entende aquela língua…
Ilustração de Danielle-Mae (Beijinho e Parabéns) |
E os dois continuámos. Eu ri por
dentro e para dentro. O meu cérebro ficou a remoer naquilo, pois que também não
nasci parecido com os do lado inteligente da minha família. Agora a história
voltou-me ao caco, pensei e repensei e, mais ou menos convicto, concluo que o
bicho é tão pequenino que não deve ter qualquer língua.
É pena, talvez ele contasse algo
sobre a sua nacionalidade… ou sobre os nacionalismos e as suas dores…
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