segunda-feira, 20 de abril de 2020

Menos Covid... Convido-vos ao bom humor.


Ilustração de Danielle-Mae (Obrigado)

Escrevi este texto em 2018, ficou na gaveta. Mostrei-o a algumas pessoas e insistiram que publicasse.

Chegou o momento de o fazer. Com a mesma generosidade com que o escrevi e com a mesma vontade genuína de ganhar o dia fazendo algo de bom para os outros, aqui partilho a "escritaria".

Nunca se esqueçam de tentarem ser felizes.












SOCIOLOGIA GEOGRÁFICO-TOPONÍMICA
Ou Sexo, simplesmente?


Picha, um elevado conglomerado, nem grande nem pequena, que o tamanho (dito de forma cautelosa e cortês), não tem importância, gosta de se apresentar erecta e repulsante, muito embora nem sempre assim consiga permanecer pelo tempo desejado, os invernos são longos, frios e húmidos e o estio aquece e resseca qualquer vontade e resistência.


Atravessando a minha puberdade e adolescência, voraz e louca, descobri a doce existência de dois feudos pudibundos e deliciosamente ávidos de convivência. Picha e Coina.
Coina, la para os lados do Sul, é um sítio escondido e recôndito, outrora mais rodeado de fartos tecidos florestais (agora mais vezes sem vestígio algum de vegetação, talvez seguindo os conselhos da prevenção dos incêndios). Florestas virgens, se as houve, já foram.
Picha e Coina são dois territórios habituados a bocas. Nunca entendi muito bem a razão, não me parece que pelo nome que têm, mas vamos, mesmo, não insistir na busca dos motivos, serão certamente sobranceiros, sobejantes e subjacentes.
Talvez esse misterioso envolvimento em bocas tenha contribuído para as fortes relações afectuosas que têm vindo a estabelecer-se entre os dois domínios. As bocas despertam a sua sede de interrogações e ambos adoram essa envolvência. São tão recorrentes, as bocas, que parece, sem dúvida, que as próprias bocas sentem prazer nessa envolvência. Que o empenho não deixe margem para dúvidas!
Coina é um sítio pouco conhecido. A sua geografia exterior passa quase despercebida, até aos habitantes da localidade. Rica em pormenores geográficos, mas apenas acessível a explorações minuciosas e curiosidades apuradas. De fragilidades evidentes, mas intensidade na resposta aos visitantes dedicados.
Uma vez por mês, diria melhor, uma vez por lua, na Coina há lugar a limpezas profundas e lançam-se as impurezas e eflúvios desnecessários (pouco simpáticos), para fora dos seus territórios. Nessa altura as visitas ficam limitadas a situações de extrema saudade e, de bocas, nessa altura, nem se fala… Mas são só uns diazitos, difíceis. Logo se recupera o olor a maresia, delicioso, cativante e convidativo a proximidades demoradas e cortesias faustosamente opíparas. E a alegria volta ao lugar florido e aprazível.
Tanto em Picha quanto em Coina, os planeadores urbanistas insistiram no mesmo erro lamentável. As estações de tratamento de resíduos orgânicos foram construídas contiguamente à área urbana. Isto tende a trazer alguns problemas de higiene. Não se deve construir um parque de diversões junto a uma Etar… Por vezes, aquilo que necessitaria ser uma lufada de ar fresco, acaba por redundar numa verdadeira merda.
Picha, pela sua natureza serrana, nascida entre volumes telúrico-rochosos, com vegetação arbustiva, tende a exalar um cheiro a gado robusto, que, se não exagerado, é por vezes bastante apreciado.
Ainda antes da modernice das “uniões de freguesias”, já os habitantes de Picha e de Coina faziam pactos de longa duração ou simplesmente pactos comerciais fugazes, mas importantes nas transações internacionais, com significado robusto para a balança do deus mercúrio. É certo que as distâncias geográficas são grandes, mas a vontade dos Homens é hábil a mover céus e terras. Natal é, bem e na verdade, quando um homem quiser (e uma mulher deixar).
São, por esse motivo frequentes, as visitas dos habitantes de um e outro feudo. Os habitantes de Picha fazem longas caminhadas, carregados com sacos de matéria prima que entregam, generosamente, em Coina. É uma transação antiga e profícua. Por vezes, ao fim de meses de intenso engenhar, coina devolve novos Pichenses e Coinenses à sociedade. É uma indústria espantosa, nem de barro os deuses os fariam melhor e muito menos com tão laborioso prazer. Por vezes com pequenos defeitos de fabrico, é certo (talvez problemas na misturadora), alguns saem pichinhos, outros coininhos, outros pichocoinos e outros coinopichos. Tudo se aproveita e enriquece a terra dos viventes. A festa é grande, sempre que de coina sai mais um habitante. Todos são feitos em Coina, a naturalidade é outra invenção, dos Homens.
Embora as relações entre uns e outros sejam frequentes e variadas, há sempre quem se manifeste contra e tudo faça para evitar esse feliz porvir. Invejas, certamente. Pois que até os bichinhos gostam…
E, mesmo muitos daqueles que se manifestam radicalmente contra estes intercâmbios geográficos, já foram vistos, às escondidas, a visitarem-se com agrado, e depois, ou antes, mandam as suas boquitas, também. Como compreender? Coisas da Picha, mas também da Coina…
Há mistérios profundos que só as ancestralidades podem explicar.
Por mim, agradar-me-ia que a qualidade das relações humanas seguisse o exemplo e o padrão de Picha e Coina. O tamanho não importa (desde que seja Grande) e a frequência é um conceito da física.
O importante é ser feliz!

Bigorna, 25 de Dezembro de 2018



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