Ilustração de Danielle-Mae (Obrigado) |
Escrevi este texto em 2018, ficou na gaveta. Mostrei-o a algumas pessoas e insistiram que publicasse.
Chegou o momento de o fazer. Com a mesma generosidade com que o escrevi e com a mesma vontade genuína de ganhar o dia fazendo algo de bom para os outros, aqui partilho a "escritaria".
Nunca se esqueçam de tentarem ser felizes.
SOCIOLOGIA GEOGRÁFICO-TOPONÍMICA
Ou Sexo, simplesmente?
Picha, um elevado conglomerado, nem grande nem pequena, que o
tamanho (dito de forma cautelosa e cortês), não tem importância, gosta de se
apresentar erecta e repulsante, muito embora nem sempre assim consiga
permanecer pelo tempo desejado, os invernos são longos, frios e húmidos e o
estio aquece e resseca qualquer vontade e resistência.
Atravessando a minha puberdade e adolescência, voraz e louca, descobri a doce existência de dois feudos pudibundos e deliciosamente ávidos de convivência. Picha e Coina.
Coina, la para os lados do Sul, é um sítio escondido e
recôndito, outrora mais rodeado de fartos tecidos florestais (agora mais vezes
sem vestígio algum de vegetação, talvez seguindo os conselhos da prevenção dos
incêndios). Florestas virgens, se as houve, já foram.
Picha e Coina são dois territórios habituados a bocas. Nunca
entendi muito bem a razão, não me parece que pelo nome que têm, mas vamos,
mesmo, não insistir na busca dos motivos, serão certamente sobranceiros,
sobejantes e subjacentes.
Talvez esse misterioso envolvimento em bocas tenha
contribuído para as fortes relações afectuosas que têm vindo a estabelecer-se
entre os dois domínios. As bocas despertam a sua sede de interrogações e ambos
adoram essa envolvência. São tão recorrentes, as bocas, que parece, sem dúvida,
que as próprias bocas sentem prazer nessa envolvência. Que o empenho não deixe
margem para dúvidas!
Coina é um sítio pouco conhecido. A sua geografia exterior
passa quase despercebida, até aos habitantes da localidade. Rica em pormenores geográficos,
mas apenas acessível a explorações minuciosas e curiosidades apuradas. De
fragilidades evidentes, mas intensidade na resposta aos visitantes dedicados.
Uma vez por mês, diria melhor, uma vez por lua, na Coina há
lugar a limpezas profundas e lançam-se as impurezas e eflúvios desnecessários
(pouco simpáticos), para fora dos seus territórios. Nessa altura as visitas
ficam limitadas a situações de extrema saudade e, de bocas, nessa altura, nem
se fala… Mas são só uns diazitos, difíceis. Logo se recupera o olor a maresia,
delicioso, cativante e convidativo a proximidades demoradas e cortesias
faustosamente opíparas. E a alegria volta ao lugar florido e aprazível.
Tanto em Picha quanto em Coina, os planeadores urbanistas
insistiram no mesmo erro lamentável. As estações de tratamento de resíduos
orgânicos foram construídas contiguamente à área urbana. Isto tende a trazer
alguns problemas de higiene. Não se deve construir um parque de diversões junto
a uma Etar… Por vezes, aquilo que necessitaria ser uma lufada de ar fresco,
acaba por redundar numa verdadeira merda.
Picha, pela sua natureza serrana, nascida entre volumes
telúrico-rochosos, com vegetação arbustiva, tende a exalar um cheiro a gado
robusto, que, se não exagerado, é por vezes bastante apreciado.
Ainda antes da modernice das “uniões de freguesias”, já os
habitantes de Picha e de Coina faziam pactos de longa duração ou simplesmente
pactos comerciais fugazes, mas importantes nas transações internacionais, com
significado robusto para a balança do deus mercúrio. É certo que as distâncias
geográficas são grandes, mas a vontade dos Homens é hábil a mover céus e
terras. Natal é, bem e na verdade, quando um homem quiser (e uma mulher
deixar).
São, por esse motivo frequentes, as visitas dos habitantes de
um e outro feudo. Os habitantes de Picha fazem longas caminhadas, carregados
com sacos de matéria prima que entregam, generosamente, em Coina. É uma
transação antiga e profícua. Por vezes, ao fim de meses de intenso engenhar,
coina devolve novos Pichenses e Coinenses à sociedade. É uma indústria
espantosa, nem de barro os deuses os fariam melhor e muito menos com tão
laborioso prazer. Por vezes com pequenos defeitos de fabrico, é certo (talvez
problemas na misturadora), alguns saem pichinhos, outros coininhos, outros
pichocoinos e outros coinopichos. Tudo se aproveita e enriquece a terra dos
viventes. A festa é grande, sempre que de coina sai mais um habitante. Todos
são feitos em Coina, a naturalidade é outra invenção, dos Homens.
Embora as relações entre uns e outros sejam frequentes e
variadas, há sempre quem se manifeste contra e tudo faça para evitar esse feliz
porvir. Invejas, certamente. Pois que até os bichinhos gostam…
E, mesmo muitos daqueles que se manifestam radicalmente
contra estes intercâmbios geográficos, já foram vistos, às escondidas, a
visitarem-se com agrado, e depois, ou antes, mandam as suas boquitas, também.
Como compreender? Coisas da Picha, mas também da Coina…
Há mistérios profundos que só as ancestralidades podem
explicar.
Por mim, agradar-me-ia que a qualidade das relações humanas
seguisse o exemplo e o padrão de Picha e Coina. O tamanho não importa (desde
que seja Grande) e a frequência é um conceito da física.
O importante é ser feliz!
Bigorna, 25 de Dezembro de 2018
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