Para a Inês, que saiu de dentro da mãe há 26 anos.
Nasci aos pés dos Hermínios, onde, por lá, também Lusitano e Viriato, terão vencido o Inverno e o Inferno. Tataraneto de ferreiro que, por dizer, “Quando vou para a minha bigorna sou homem para fazer um relógio”, foi brindado com a alcunha. Adoptei, com vontades e inveja saudáveis, esse rijo nome. Bigorna
segunda-feira, 24 de abril de 2023
sábado, 22 de abril de 2023
Ao dia de Hoje, em Madrid, correndo o ano de 1616, morria
Miguel de Cervantes.
Sonhou, escreveu, ensinou a sonhar, treinou meninos na arte
da leitura e no engenho da hermenêutica. Um génio pelo qual nutro “inveja bruta,
mas branca”. Invejo, brutalmente, todos os que escrevem bem, com a mesma
brutalidade com a qual desprezo a minha falta de jeito. Confesso, sem esperança
de qualquer perdão.
Resta-me quedar-me pelo elogio, não para que se pense que
sei algo sobre isso, mas para que os outros se sintam impelidos a pensar,
também, sobre quem com ardor deu nome pomposo a um cavalo (antes e apenas de
nome cavalo), “Rocin ante”, a quem com bravura e coragem combateu gigantes
(disfarçados de moinhos). A quem amou, em Dulcineia, todas as doçuras que uma
alma (mesmo desalmada), pode colher das vestes fecundas do “bicho mulher”. E,
rendo especial homenagem a todos os Sanchos Pança, que com amor e dedicação
aturam os desmandos de quem manda, as loucuras de quem treslouca, e aos
senhores dos mundos e das guerras enchem, divinal, asinina e religiosamente, a
pança.
(desenho do autor, à sua medida e à sua capacidade limitada para desenhar e outras cousas) |
quarta-feira, 19 de abril de 2023
A alegria natural do Espanto.
Parece-me urgente permitir que a simplicidade das coisas simples se evada dos grilhões dos dias complicados do nosso mundo complexo e complexado. Mundo complexado pelo ruido das luzes que permanentemente ameaçam dissecar-nos e desnudar o nosso mundo interior. Por este motivo passamos fingindo que já nada nos espanta. Já tudo vimos e por tudo fomos vistos. Coisas próprias de homens capazes de fabricar deuses com capacidade de aniquilar qualquer ponta de espanto e espontaneidade. Pena que assim seja.
Há poucos dias fui tomar um café. Coisa mundana, banal, sem qualquer interesse, se a simplicidade das cousas não tivesse acrescentado sabor à alegria que tão bem tempera o ar que respiramos. Cheguei e vi um grupo de pessoas, com um aspecto que os meus preconceitos não assinalaram como anormais. Um pormenor. Todas eram vestidas de um crachá, dependurado ao pescoço (pescoço que ligava, de forma normal, o corpo à cabeça), com a inscrição do suposto nome de cada um. O crachá acrescentava outras informações. Confesso que não li. Devo desabafar que fico com a ideia de que se ler tudo o que me rodeia por onde passo (com o pouco que sei e com a dificuldade que tenho em soletrar), nunca vou muito longe. A verborreia persegue-nos (oral e escrita), não há paciência para tanto aviso, recomendação, alerta, advertência, avisos (e avisos que dizem: depois não diga que não o avisámos). (fotografia de Bigorna)
Antes de entrar na Taberna fui surpreendido pelo bruaá dos presentes. Passava um comboio. Os dedos das pessoas apontaram no seu sentido. As vozes repetiram, cadenciadas e emotivas: olha, olha, lá vai ele, lá vai, viste? Viste, viram? Ahhhh!!!
Confesso que achei estranho tamanho espanto com algo tão banal, frequente e assíduo naquele local. Por momentos pensei que circulasse de rodas para o ar ou atravessado e fora dos trilhos, mas não. Tudo normal, nos trilhos, trilhando o mesmo percurso de sempre e sem dizer mais do que vummmm (não, não dizia café com pão café com pão...).
Entrei no Botequim, vizinho à estação do referido caminho de ferro, pedi o desejado café, e reparei que todos os presentes co
m o já referido crachá começaram a abandonar o local. Não, o motivo não fora o meu pouco natural viso. Não assustei ninguém. Ali, naquele local e naquela circunstância, o espanto não era eu. O espanto era o comboio que passou e foi embora sem passar cartucho aos dedos apontados e ao bruaá com o qual foi brindado. As pessoas abandonaram o local e ouvi alguém comentar. Estes senhores são Madeirenses e estão a fazer uma excursão aqui no continente.
Não comentei. Ri de mim próprio. Ri e sorri com a simplicidade de quem ainda se espanta, qual criança, com a essência da humanidade dentro das nossas carapaças contra o barulho dissecador das luzes que ameaçam dizer a todos se estamos ou não a usar cuecas.
A realidade é simples e a simplicidade merece que a brindemos com alegria e com o reconhecimento de que sabemos pouco, muito pouco, do tudo que é cada mundo (e cada um de nós é um mundo de mundos). Na Madeira não há comboios (ponto final). Ver algo que nunca ou raramente se vê e manifestar o espanto é de uma humanidade simples, deliciosa e sã. Ri da minha ignorância (e todos estão autorizados a rir-se dela). E veio-me à memória uma frase batida... mas também um pouco do poema de António Gedeão “Aurora Boreal”: Tenho quarenta janelas, nas paredes do meu quarto (…) Pela maior entra o espanto, pela menor a certeza, pela da frente a beleza, que inunda de canto a canto. (…).
Viva a nossa capacidade de espanto. Bem hajam todos os que se espantam quando sentem essa necessidade.
quarta-feira, 12 de abril de 2023
(Desenho de Danielle Duran) - Obrigado
A Lenda do Leitão com Asas
Conta-se por aí, em dias de pouco assunto e
quando as conversas são sobre o nada das nossas ideias vazias, que um certo
homem, tomado de feitiço, dizem uns, ou de mau olhado de sogra, dizem outros ou
ainda outros que terá caído da burra depois de uma pançada de cogumelos
silvestres, conheceu, num dia de bruxuleante sol de Outono, um estranho
avistamento. Avistou, ele, um leitão gordo, anafado e voador, com um belo par
de asas qual anjo papudo e sorridente.
(Rotunda do Cardal) - Fotografia de Bigorna |
Amanhou-o, temperou-o a preceito,
espetou-lhe a impiedosa e sádica vara, coseu-o, e deu quente e infernal forno
ao angélico infante suíno.
Enquanto o deixava a tomar de loiras cores
e delirantes sabores, foi pela rua contar a novidade à vizinhança, que tendo
nele poucas certezas, pareceu ter feito pouco caso e orelhas moucas, ainda que
isso não tivesse assim surtido facto em todos os mortais.
Um certo vizinho, que de maroto tinha no
sangue os taninos da baga e o génio da touriga, atentando que o gabarola do
caçador do leitão angélico alado tomava o caminho da taberna foi acercar-se do
conteúdo do forno…. Dirigiu-se depois a casa e falou do sucedido à mulher e à
filha. Estas manifestaram-se tão incrédulas quanto surpresas e engendraram
plano ardiloso secreto e sábio.
Já horas depois, regressava a casa o homem
do leitão misterioso, quando se deparou com uma donzela chorosa e inconsolável
vestida de negro luto e em prantos só semelhantes aos de tenra viuvez.
- Que tendes menina, porque chorais? –
Questionou o homem.
- Foi meu regalo, meu porquinho de asas
brancas, que me desapareceu. Se não foi roubado ou vítima de dentes de lobo mau
voou certamente sem rumo e destino… Ai que saudade saudosa já sinto em minhas
profundezas!
O homem por ali se quedou incomodado com
tamanha tragédia, na qual se sentia envolto em remorso, tentando dar uma no
cravo e outra na ferradura, pois que sentia o coração qual animal que não dava
sossego à pata, escondendo seu embaraço e culpa no cartório. Quando, por fim,
deu acordo das horas correu, aflito, ao forno para tirar o leitão antes que este
se esturrasse.
Chegado ao local não viu senão forno aberto,
e do leitão, apenas o cheiro e a vara ainda quente e fumegante.
Correu, pois pela rua, gritando que lhe
tinham roubado o belo do leitão… ai que isto foi obra do Mafarrico… gritando
sufocado para dentro que ainda lhe havia de vir maior castigo por barbaridade e
gula…
Alguns vizinhos, dos mais sarcásticos, lá
lhe foram dizendo, com palmadinhas nas costas:
- Deixa lá! Teve asas…. Teve Asas…
- Olha lá, e moela, o bicho tinha moela?
- E a cachola, como era a cachola? Não é a tua. A do bicho… Ahaha…
- Cachola tenho eu agora…
E o animal, era bicho ou bicha? Afinal?
AhAhAh…
Foi tal a risada e o burburinho, que ainda
hoje parece haver repetições efémeras e fugazes da lenda.
Leitões
com asas…
Fonte (das balelas), Cais das mentiras
abaixo, Tombo das petas grandes. (Lá para o ano de muitos tempos esquecidos).
Bigorna,
2023*
·
Escrito
para participação nas comemorações do Dia Mundial do Teatro no Município de
Mealhada
segunda-feira, 3 de abril de 2023
Tudo fogo de Vista (Nada de Novo)
Há um delicioso, como
quase todos, poema de António Gedeão, intitulado “Poema do Homem Novo”
Que diz, sumariamente:
Niels Armstrong pôs os pés na Lua
e a Humanidade saudou nele
o Homem Novo.
(…)
Com redobrado alento avança mais um passo,
e a Humanidade inteira,
com o coração pequeno e ressequido,
viu, com os olhos que a terra há-de comer,
o Homem Novo espetar, no chão poeirento da Lua, a bandeira da sua Pátria,
exactamente como faria o Homem Velho.
As minhas vivências, que de tenra idade
tive com a Católica Eclésia, sempre me levaram a tecer algum cuidado na
avaliação da grande bondade, abertura e diferença deste Papa (de Bergoglio transformado
em Francisco). Pois haveria a Santa Igreja de se enganar, quando o nomeou para
sucessor de Pedro (mas também de Paulo), um homem inovador, progressista,
revolucionário de ideias? Não. Esqueçam, acordem e sigam para antigamente, de
novo.
Foi este pobre Papa internado, mui malato.
Mas, logo que a comunicação dele se acercou, não tardou a passear-se pelo
Hospital romano, distribuindo guloseimas e presentes às crianças (sob uma
diagnosticada infecção respiratória e sem o uso de máscara, na ala oncológica
da pediatria de um hospital de topo), e pasme-se. Aproveitando da absoluta e
miserável escassez de Padres em Roma e, certamente da inação do Capelão daquele
Hospital, zás. Baptizou um bebé, livrando-o das garras de Mephistófoles e do
fogo dos infernos… Tudo sob a discreta presença das câmaras e dos holofotes, “…
exactamente como faria o Homem Velho”.
E ainda há quem proponha o casamento dos
padres… se assim suceder, só mudará uma coisa. Eles vão ter filhos e em vez de
comclave Papal teremos, no futuro, sucessão dinástica como na Monarquia.
Vá.
Agora destilem ódios, que o inferno espera-vos e o diabo não perdoa.
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