Está Pardo
Chamava-se Eduardo, O Senhor
Eduardo. Poucos saberiam e quase ninguém
se importava de o saber ou em o saber. Todos o chamavam de “Estápardo”.
Saudades da minha infância já longínqua…
O pobre homem, que uns dizem que “virou
do cérebro” por desgosto de amores, vagueava pelas ruas do mundo, fazendo jus
ao inegável facto de nele não existirem muros (a não ser aqueles que o mais
impertinente dos seres tenta construir e para os quais se inventa sempre uma
escada mais alta). Eu quereria, muito mais, ser de Pontes.
O Voo calado do Açor - Foto de Bigorna |
O Estápardo, perdoem-me, o Senhor
Eduardo, como sempre fiz questão de o tratar e como a minha família exigia que
eu o fizesse – Porque a boa educação cabe em todo o lado – Era um homem de
poucas palavras, pelo menos perceptíveis. Deslocava-se sempre a pé, sempre de
sobretudo, porque a lã nunca pesou ao carneiro, de cajado, ar curvado, bordão
no qual não se apoiava. Portava-o na horizontal, na mão, lembrando um nível com
que avaliava a humanidade, que afinal é toda muito igual em suas diferenças,
sobretudo no nascimento e na morte.
Quando queriam vê-lo irritado, e
isso é algo que parece nivelar muita da gentalha do povão encarniçado – que goza
especial prazer orgástico, com tradições violentas sobre animais – Gritavam-lhe:
- Estápardo!
E ele, iniciava um chorrilho verborreico,
pouco perceptível, mas que permitia à criançada aprender um rosário pagão, de
rezar pelas ruas da amargura, mas bem mais variado e menos nostálgico, do que
aquele outro ensinado pela figura pardacenta, gorda e cinzenta do adro das
falsidades.
Rachava lenha como se não
existisse amanhã. Pedia, depois de rachar a lenha, uma malga de caldo e uma
côdea de broa. Comia. E não se despedia. Reiniciava a procissão em honra dos
deuses e santos que só a sua cabeça conheceria e, semanas ou meses depois de
ter visitado outros, sabe-se lá que poisos, voltava.
Hoje está pardo, também dentro
dos homens nivelados. Seria exigível um nível social mais elevado…
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