sexta-feira, 20 de julho de 2018


O Jaquim, Vitima de Bullying…


...e nem ele próprio sabia.
Na cantina da escola lá da terra, onde o Judas perdeu as botas, o almoço era bacalhau “o fiel amigo”, para quem ainda se recorda, “o do Tenreiro” (googlem se vos parecer importante), dizia eu, o almoço era bacalhau com grão.

Abro novo parêntesis para tentar uma educação de saúde:

- Trata-se de um prato com índice glicémico de referência para diabéticos. O peixe é bom (remover bem o sal, sff – para beber uns copos não é necessário tanto, basta mesmo a tradição). O grão (grão de bico; gravanços; ervanços; chickpeas) é das melhores leguminosas da cozinha mediterrânica, barata, cultivável, até nas praças de toiros abandonadas...
O prato tempera-se com gordura de azeitona; virgem ("virgem extra" necessita de outra ssexplicações para jovens), vulgo azeite; cebola crua; picadinha; salsa… O ovo dispensa-se (poupem-se a proteínas em demasia - Um ovo é uma óptima refeição, mas sozinho faz as proteínas de uma refeição); um pouco de batata e um pouco de cenoura (faz bem aos olhos).

Retomando.

O almoço, na cantina da escola do Jaquim, era Bacalhau com grão.
Não. O Jaquim não fotografou (não era o tempo dos “gadgets”), e portanto, também não “postou” no “livro dos focinhos”, e os pais agradeciam que os filhos pudessem comer na escola. outros tempos.
Também não se queixou à mãe, de nada, de absolutamente nada, a não ser do jantar que era sempre caldo.
No dia seguinte, mesmo naquele dia, ele já estava feliz (inimaginavelmente feliz para aquilo que a imaginação das crianças de hoje pode alcançar).
O Joaquim estava a degustar o prato, com a posta fina, de bacalhau, mas… Os mais velhos do que ele… começaram, simplesmente, a olhar, fixamente, para o prato dele. Comentando baixinho:
- o puto não gosta daquilo… Está com fastio (falta de apetite; anorexia…)… vai deixar aquilo pra nós! eh! eh!... e nós enfardamos o resto...
Moeram, em suma e sem muitas explicações, a paciência do puto, em lume brando e com distinção.
Mas o Quinzito não esteve com meias medidas. Antes que o bullying o tolhesse à refeição, tolheu-se à cantina e à má companhia.
Olhou-nos flamejante. Brindou-nos o momento com o dedo do meio, bem elevado, descrevendo viagens repetidas. Proferiu palavras deliciosamente indecorosas (que no norte sempre enriqueceram o léxico mas, noutras partes do portugal prosaico, apenas entraram nos dicionários mais recentes).  Esmagou as batatitas no azeite e engoliu-as, sem cerimónia ou liturgias desnecessárias. Meteu os grãos (grão de bico; gravanços; ervanços; chickpeas) no bolsito da camisa. Arrumou, com classe irrepreensível, a posta do calhau no bolso traseiro das calças (de fundilhos remendados – cuja moda já se repetiu e repetiu, mas que, na altura, eram apenas um recurso habilidoso da mãe) e, de nódoas de azeite bem desenhadas, envejáveis e abundantes, na roupa, abandonou a cantina, mas não sem que antes tenha mostrado a língua, como criança autêntica, aos matulões (de que me orgulho, envergonhadamente, de ter feito parte).
Cambada - Foto de Bigorna
Fomos encontrar o Jaquim, minutos mais tarde, sentadito no muro (perigoso! e desprotegido de resguardos, lá da escola), lambendo os dedos, sorvendo a espinha grossa do bacalhau, e, ainda, deixando dois grãos de bico, no muro, para os pardais…

Rimos.

Pedimos desculpa ao Jaquim… 
Ele mandou-nos à merda, sem rodeios nem discursos parlamentares.

Sim, voltámos a rir-nos com ele.

Desculpem o calão. Tentei escrever “caca”, depois troquei por “cocó”, mas as palavras cheiraram-me tão mal que optei mesmo por merda!
Compreendam, o Jaquim era do tempo em que nem os boolers eram violentos nem a merda era o que é hoje...

Obrigado aos meus colegas de escola, ao Jaquim e, também, em especial ao Pedro (Irmão de partilhas diversas), por me ter pedido que vertesse esta memória para este espaço.


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