terça-feira, 24 de julho de 2018


Tem Avondo!


Esperava, com alguma água na boca, um especial momento para usar esta expressão deliciosamente rica de significado. Aguardava um acontecimento que se enriquecesse com humor e palavras escritas. Mas, os acontecimentos dramáticos destes dias secaram-me a garganta. Tolheram-me o paladar e o riso dentro do cérebro. Vou gastar a estória com a pungência exigida.
Até o céu ardeu - Foto de bigorna (Outubro 2017)

Uma Tragédia flamejante, pirosa e destrutiva vitimou os Gregos, homens, mulheres, crianças, animais, plantas… Tudo à sua voraz cavalgada.
Centenas de hectares ardidos. Dezenas de pessoas mortas. Dezenas de pessoas feriadas e em dor angustiante, umas pelas outras e por si próprias. Animais em sofrimento, em fuga, sem ecossistema viável, sabe-se lápor quanto tempo e o que mais.

Tem Avondo…

Descobri, há vários anos, esta genuína expressão, essencialmente alentejana mas, também, galega. “Avondo”, com a intencionalidade de abundante. Usada no sul com o intuito de fazer perceber que, (dada a abundância do facto ou da ocorrência, já basta; já é suficiente; é tempo de parar; não necessitamos mais; etc.).
Pois. Esta ideia constante, repetidamente irritante, de procurar um, vários, muitos, qualquer culpado, tem que ter um fim.
- Tem Avondo, por favor!
Há que perceber que, quando o vento e o fogo formam matilha, não somos suficientemente fortes para o fazer parar, nem mesmo quando pedimos ajuda a qualquer Adamastor. Pois que até no mar foram funestas as formas de tentar sobreviver ao Ignis deus irado.
Não é uma forma fatalista de olhar. Não! É uma forma realista de temer. Mais ainda, de prever que a mãe Gaia dá coices grandes, qual força nem saberíamos ser possível…

Fez-me advir, à mente, este triste e trágico momento, que já é um devir demasiado presente, sobretudo para nós (neste quase cume lusitano), um terno episódio profissional de um grande e próximo amigo:

O Jaquim, já grandito e jovem adulto, afoitou-se a trabalhar num hospital deste pobre país. Num hospital de doentes, numa enfermaria de doentes, com doentes internados em camas de gente doente.
Um dia, o Jaquim acercou-se de um pobre homem, deitado numa pobre cama, com uma rica e abundante barriga, que evidenciava uma evidente ascite cirrótica e consequente a anos de felicidade báquica.
O Jaquim, movido de intentos semiológicos básicos, perguntou ao pobre homem:
- Então, o senhor bebia muito?
Ao que o homem, prontamente respondeu:
- Não! Talvez uns cinco litros por dia…
- Cinco litros?! – Admirou-se o Jaquim – Mas cinco litros é muito!!!
O Homem, barrigudo e desanimado com a enfermaria do hospital de doentes, apenas ripostou (procurem imaginar uma pronúncia bem nortenha e genuinamente dorida):
- Nãoe menino, nãoe… Munto está lá, dentro dos pipos…
E, dizendo isto, acrescentou, numa firmeza que queima as nossas certezas todas:
- Já agora, menino, diz aí ao criado que me traga o penico, quero ver se meijo!

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