quinta-feira, 7 de setembro de 2023

 Assim me sinto no palco.

O teatro não é fingimento. O teatro é a nossa verdade a falar da verdade das personagens.
Nas tardes mornas das vidas buliçosas, até as estátuas dos jardins e das praças se permitem a liberdade de amar as donzelas e os cavalheiros que por elas se desenham.
Nas doces e irreverentes galerias de pintura, as paisagens pintadas nas telas e os rostos envidraçados nos quadros, embora parecendo mudos e calados, seguem os nossos olhares e arremedam os nossos passos, como mimos que disfarçam os diálogos entre eles e os solilóquios com os visitantes.
Em Silêncios cúmplices, os curadores sorriem para os seios pintados nas telas e os bigodes retorcidos dos retratados rejubilam nas negras tintas.
Não seria justo que os bonecos das histórias e dos contos de fadas se tivessem que quedar mudos e planos dentro das páginas repletas de palavras que tão bem descrevem as suas vidas.
Hoje é dia de festa.
Hoje todas as personagens, de todos os contos, de todos os livros, de todos os imaginários coloridos e oníricos, saíram à rua, fugiram de dentro dos livros, estenderam lençóis com nós e laços de libertação e desceram dos escaparates dos livros.
Hoje é dia da verdade, é dia em que a generosidade da vida mostra que o mesmo lobo pode comer várias vezes os mesmos porquinhos e as mesmas ovelhas. Hoje é dia em que o lobo mau pode morrer às mãos de caçadores e voltar a comer a avozinha.
Tudo isto é tão deliciosamente verdadeiro quanto as mentiras do Pinóquio…
Hoje, é dia de festa, hoje todos os risos e choros são de alegria e são sorvidos pelos olhos de crianças e adultos, da taça dos sonhos do pequeno almoço.
Abram os livros!
Soltem todos os vossos desejos e sonhos.
Não, a festa não tem fim…
Os sonhos estão rotos, com nodoas, com os joelhos esfolados, as crianças estão cansadas…
Mas a felicidade é felicidade, mesmo quando dorme.
Os bonecos voltam a aconchegar-se nas páginas e a aquecerem os seus corpos imateriais nas palavras cheias de significados.
O lobo mau está de barriga cheia e o Pinóquio de nariz cada vez mais comprido. Os porquinhos riem e chapinham nas lágrimas das crianças.
Que nunca mais as estátuas dos jardins vivam em solidão nem os quadros pintados tenham que se alimentar de monólogos.
Viva a vida que vive dentro dos livros.
É assim, um palco de teatro.
Bigorna (II6023IX)
(Fotografia de Bigorna)

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