terça-feira, 12 de setembro de 2023

 In Vino Veritas


Diz uma quadra popular:
O vinho é coisa santa,
Que nasce da cepa torta.
A uns faz perder o tino
E a outros errar a porta.
Se não perdi o tino, julgo ter visto um dilúvio de vinho, por terras de Anadia, ontem, aos dez dias do mês de Setembro, do ano de dois mil e vinte e três, desta era de não verdadeira luz. Não me espanta. Se, e de acordo com as escrituras, deus prometeu não voltar a castigar-nos com outro dilúvio, conhecendo, algo, sobre a “versatilidade” dos textos bíblicos, devemos ser cautelosos. Deus mostrou o Arco da Velha (vulgo arco-íris ou arco da velha aliança), como prova de que não mais nos afogaria em águas… Mas sobre vinhos… deter-se-á pelos mistérios?
É surpreendente que, face à tragédia, à catástrofe, à hecatombe, de milhares de litros terem escapado da prisão, os lamentos se não focarem na perda. Nem parecemos um país de bebedores. Ó tempos, ó costumes destes tempos, já nem a dor nos doi?
Eu esperava ver choros compulsivos, estupores de choque, esgares de raiva, rasgamentos colectivos de vestes de indignação, pranto e ranger de dentes. Mas nada. Tudo o que consegui perceber foi alguma indignação sobre a segurança do detentor do líquido perdido ou com as leis municipais… e leves preocupações ambientais.
Salienta-se o bom humor, de alguém, que já sugere a mudança de nome do rio Levira para Rio Ébrio. Vi peixes em êxtase a pedir uns jaquinzinhos ou umas petingas fritas, para acompanhar o festim. Vi peras a pedirem para ficarem bêbedas e cabras a correr e a pedir chanfana… “foi bonita a festa pá”
Indignação pela perda do vinho… Népias… Nadas… Zeros… O que é isto? O mundo só pode estar perto do fim!!!
Mas, pensando melhor, tudo se explica.
Já ninguém acredita no fim do vinho. Valha-nos a fada dos dentes!
Afinal, depois de as próprias escrituras (Palavra da Salvação), terem revelado o milagre das Bodas de Caná (sem que ninguém se tenha rebelado com o vinho martelado), nada mais pode turbar um amante de vinho.
Basta que haja água… Também há quem o faça de uvas! Mas não sejamos puristas…
O vinho pode revelar a verdade, mesmo que o vinho não seja verdadeiro.
Bigorna(XI6023IX)
(Desenho do autor)

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