sexta-feira, 30 de junho de 2023

 O Sol, a Lua e as Estrelas



Era assim, numa inocência pueril e com sabor a rebuçados de laranja e tangerina, que contrariado e já derrotado, pegava nos lápis de cor, para cumprir a tarefa ditada pela Senhora Professora, na Escola Primária da minha terra.
Não gostava de desenhar, nunca lhe ganhei o jeito e sempre detestei fazer aquilo que sei nunca vir a conseguir fazer bem feito.
Era um pouco ingrato. A vida tem esse condão de nos desgraçar as expectativas de justiça e facilidade. O meu colega de carteira, pouco dado às letras, safava-se bem a copiar as redacções por mim. A professora fingia que ele não tinha copiado, corrigia-lhe, apenas, os erros ortográficos, que por vezes também copiava por mim, e lá ia ele, feliz, para o recreio, desgraçar as canelas dos colegas. O jeito para a bola era mais ou menos semelhante ao do jeito para as letras mas, imprimia mais força aos pés do que à esferográfica e quem o pagava eram as “canetas” do adversário. Não havia árbitro e só era declarada falta se fosse feita “queixinha” à professora. Íamos sobrevivendo.
Quanto a desenhar, o rapaz desenhava mais ou menos bem. Fazia burros de perfil, montanhas com neve, árvores com maçãs e toda uma panóplia de flores e casario que dava para vinte ou trinta desenhos… Num só dava para eu me safar o ano inteiro. O problema é que ele tinha habilidade para o desenho e para desenhar as minhas redações com a caligrafia dele… Mas eu, era um canastrão semelhante a hoje, na escrita, e igualmente no desenho… ou pior… Copiar o desenho dele era como olhar para a realidade e desenhar. O burro via-me melhor do que eu via o burro. A mão vacilava e os burros saiam mais tremidos que as fotografias que o fotografo da vila tirava depois da boda dos casamentos. A vinhaça desfoca tudo.
Desta triste realidade resultava que eu me limitava a fazer desenhos com uma casa, uma janela quase redonda, uma porta fechada, um telhado de duas águas, uma chaminé com fumo… um caminho, uma flor maior que a casa, uma nuvem, e no céu azul havia o Sol a Lua e as Estrelas.
Não, recuso-me a submeter-me a análises psicoterapêuticas. Para me dizerem que sou tolo ia ao confessionário do estupor do padre ou vou à Bruxa. Obrigado
Hoje fiz esta fotografia. No entardecer, enquanto das águas palustres e pejadas de jacintos, da Ribeira de Espinhel, saiam enxames de mosquitos com vontades sexuais de me mastigar, percebi, finalmente, que o Sol é uma Estrela. Ainda me apeteceu desenhar burros mas é melhor não…
Desculpem… Os tolos também podem descobrir coisas novas e, no peito de um mau desenhador também bate um coração.
Bigorna (XXX6023VI)
(Fotografia de Bigorna)

quarta-feira, 28 de junho de 2023

(Fotografia de Bigorna)


Leia... Escreva...

Podemos ver filmes, mil imagens, músicas que nos fazem viajar. Acredito que nada se entranha tanto em nós como a palavra escrita e lida.

Admiro um bom orador, desde a sua voz até aos gestos com que gere a sua orquestra interior, fazendo uma sinfonia que ecoa e pode ressoar em multidões, mesmo que elas estejam dispersas. Mas a palavra dita é volátil. Se não a podermos gravar para reutilizar e reflectir, vai, à velocidade das leis do Universo, para um baú escuro chamado passado.
As palavras escritas podem sempre ser, de novo, beijadas. Gosto de pegar nelas e apalpá-las, como se fosse a primeira vez, ou reviver os gemidos que já partilharam comigo.
Gosto de quem escreve bem, como se acrescentasse às palavras um certo sabor de forno a lenha. Como se ao servir as palavras, nas suas frases mais adornadas, elas surgissem com um leve caramelizado tornando impossível lê-las sem sentir a necessidade de as repetir, ainda que segredadas, para que o seu sabor deslize pelo palato, flua e exale pelas narinas.
Depois disso só um bom beijo, um copo do melhor vinho ou o sonho de um wisky velho.
As palavras são para saborear, como o corpo quando se faz amor... Cheiros e tudo... Aahh o cheiro a desejo orvalhado, a vapor de volúpia, a estuário de marés vivas!
Ler é uma relação próxima, diferente das relações virtuais e sem pele.
Se hoje tiver o direito de pedir, peço:
Escreva. Leia. Faça amor com as palavras, dê orgasmos à sua reflexão. Disse.

Bigorna (XXVIII6023)

terça-feira, 27 de junho de 2023

 Amanhã o sol será com sabor a pão do dia anterior.

As noites endurecem a crosta das nossas desilusões
e as madrugadas doiram o raiar do Oriente.
(Fotografia de Bigorna)
O sol estenderá braços fortes e dedos longos sobre as montanhas, afagando o cabelo das árvores. Estas gemerão de flores e as planícies deitar-se-ão ao sopé dos cerros como noivas felizes, mornas e invejavelmente prenhas.


Bigorna (XXVI6023VI)


 Não sou desta rua e isso leva-me a não saber se se trata do sol ou da lua.

Fotografia de Bigorna
Poderá ser a lua com necessidade de apanhar um pouco de sol por dentro.
Ad latram, poderá ser o sol a querer baloiçar no colo da lua...
Nada mais balbucio... Que a língua me seja tolhida...
Não tarda e alguém se lembra de testemunhar uma qualquer aparição com metamorfoses miraculosas entre a lua e o sol.
Deixem o universo brincar sem a seried
ade sisuda dos humanos.

 

“Despejei-me no chão…”

Sosseguem os mais púdicos e todos aqueles que conhecem a minha prolixa capacidade de ajavardar a linguagem. A expressão não é minha e o doce sabor a terra  (da expressão), não advém do chão telúrico, mas sim do “terroir” que podemos saborear nas pessoas quando gostamos delas, quando as cuidamos e ouvimos, como uma espécie em risco de extinção (em que nos estamos a torna

(desenho do autor)

r).

Já hoje tinha sido brindado com uma expressão que, deveras, me enterneceu: “Os espaços entre os dedos foram criados para que outras pessoas pudessem preenche-los” (autor desconhecido). Agora chegou mais esta, como quem passa por uma fonte e sem sede ela nos oferecesse àgua, como se a sede fosse da fonte e não nossa.

Fica esta expressão, a fermentar, o meu, dia de horas que procuro dividir e multiplicar pelos amigos: - (no consultório, atendendo uma senhora que tinha um ferimento), Sabe, eu ia a caminhar e, sem quê nem para quê, tropecei e, de caminho, “despejei-me no chão”. (uma expressão inequívoca para “caí e pronto”.

Talvez não me achem grande graça, talvez estivessem na esperança lúdica de vos surpreender com “dejectivos” em vez de adjectivos… Paciência, desta vez fui apenas um menino comedido e delicado. Mas a verdade é que a expressão me marcou quase tanto como o chão marcou os joelhos da pobre criatura (não tenho a alma ensanguentada, mas está cruenta).

Para não ficar, assim, insípida e branda, a minha prelecção matinal, vou presentear um sério punhado de amigos (daqueles que preenchem os meus espaços entre os dedos e me enchem o coração), com uma tentativa de desenho… Não é um bom desenho, mas levedará alguns segundos do dia que desliza por entre o serpentear da nossa intensa vontade de sermos felizes.

Tenham um dia bom. Porra!

 

Bigorna (XXVII6023VI)


domingo, 25 de junho de 2023

(Fotografia de Bigorna)



 O alvorecer é volátil, tal qual em nós o é a juventude. Esfuma-se por entre as montanhas, escorre na voragem dos vales agudos dos rios que os nossos olhos vão lacrimando.


Choramos, plácidos de melancolia, e o sol, solidário e sólido com a saudade que transportamos aos ombros, vai se escondendo sob a neblina do sublime vapor das nossas lágrimas.


Foi assim que neste entardecer de Domingo, enquanto foguetes estalavam no ar, anunciando fim de procissões com o pobre S. João (secundado pelo primo e degolado em nome das escrituras), e ao mesmo tempo pedindo bailaricos e sardinhas assadas, caminhei na senda do entardecer do dia e do meu próprio avelhentar.


Curvando-se, num horizonte alaranjado, como se carregasse, nas costas, todos os pecados existentes, condenado por todos os deuses inventados, o sol foi caminhando. Corcovado, lá se foi escondendo no horizonte, sempre dizendo até amanhã, ao mesmo tempo que beijava e alvorava outras tantas vidas. Vidas que  ao alvorecer iniciavam ali, acto contínuo e sem remédio, um entardecimento de vapor irreparável e inequívoca nostalgia.


Antes de se esconder, atrás da última onda do mar, beijou o céu todo e segredou-me que amanhã regressaria para banhar com lã doirada todos os nossos sonhos cinzentos.


Boa noite.


(Fotografia de Bigorna)

 Para ilusão é tanto… mas tanto, que me apetece iludir-me!


Talvez a cor não exista.
Talvez seja apen
(Fotografia de Bigorna)
as uma ilusão de uma máquina obsoleta, o cérebro humano.
Vem aí uma Lua Nova, que essa vadia, de quarto em quarto sempre se vem com novidades novas, e trará novas notícias, quem sabe sobre coisas que existem. E dirá:
- Eu sou a Inteligência Artificial. Ponto final.
O Cérebro humano não existe e as cores desta libelinha amarela e vermelha não existem, tudo é azul, como todos os olhares modernos e verdadeiramente inteligentes podem observar.
Então, após esse dia, o rei de todas as luas, vendo e olhando as novidades novas da Lua Nova, decretará que só existe azul.
Quem não acreditar… que fique com os olhos furados pelas libelinhas. Todos sabemos que as libelinhas são, também, conhecidas como “tira olhos”, que passam a vida a sugar a gelatina dos olhos de quem vê cores.
Se alguém continuar a ver cores… é porque a gelatina dos seus olhos não presta, nem para as libelinhas.
Disse

Didascália (sala escura, projecção na tela do fundo (libelinha de cor azul), actor imóvel, com iluminação que lhe recorte o rosto. Ar medonho e zangado, voz de trovão, bem pausada, sílabas bem destacadas. Apontamentos de violoncelo em tom menor. Falas e tremores de imagem, semelhantes a curto-circuitos, com som de trovoada em fundo.)

Bigorna (XXV6023VI)


sexta-feira, 23 de junho de 2023

 Não Existo em Frente e Verso.


Fui por minha mãe imprimido de um só lado, parido de uma única vez.
Não há, em mim, versão de fr
(Fotografia de Bigorna)


ente e verso.


Sou um só, um resto, um espelho plano com dois lados de poeira de universo.

Vim de longe, bem do fundo,
escrito em prosa rude, a tinta preta, em coiro negro, em letra grossa, com rasuras de caneta.

Quem em mim vê olhos, não vê outro que ressecados restolhos.
Dentro e fora sou palavras de um só verso.
Por dentro escrito a negro e sombrio,
por fora sou o meu próprio avesso.

Se, por mero acaso, outro vos pareça, fiquem certos... não é letra do meu corpo.
Foi tinta que repassou do outro lado da folha, é apenas um reflexo do meu  eco. 
Mas, se outro em mim quiserem ver, sou dois lados de um só laço, nos meus amigos... sou abraços.

Bigorna (XXIII6023VI)



quinta-feira, 22 de junho de 2023

 A 22 de Junho de 1633, a Congregação para a Doutrina da Fé em Roma forçou Galileu Galilei a renegar a sua ideia de que o Sol, e não a Terra, era o centro do universo.

Há, portanto, 390 anos.
Não passou tempo suficiente. Depois de muitas tentativas, para resolver o problema, continuamos a voar em torno do Sol e a Terra ainda não é o Centro do nosso mundo. Mas, convém perceber que, ou a colocamos no centro (das nossas atenções), ou ela vai resolver o problema, borrifando-se para nós, cuspindo-nos, como se fossemos carrapatos insignificantes e chatos.
Não creio que mandar “P L A S T I F I C A R” seja a solução.
A plasticidade (pode ser uma qualidade), mas não tem que ser lida à letra:
- Não temos que usar plástico para tudo;
(Este desenho não passa de um SACO)
- Não temos que fazer filhos de plástico;
- Abaixo o plástico;
- …
- Não sejas plástico contra o abuso do plástico…

É um Saco

Saco cheio,
saco farto,
saco feio,
saco chato,
saco meio,
vai ao charco.
Vem padeiro,
vai peixeiro,
dá-lhe o vento,
vai ao ar,
pelo ribeiro vai ao rio
cai ao mar.
É um saco,
é um chato,
muito feio,
saco cheio,
já estou farto.
Bigorna (XXII6023VI)

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Bom Solstício para todos!

 


O Sol, essa luz incondicional à nossa vida, à maior parte das vidas tais como as conhecemos, beija, banha e afaga, de forma especial, o hemisfério Norte. Hoje, a inclinação da Mãe Gaia, pela tarde, fará coincidir a incidência do Astro rei o mais a Norte que nos é possível. Teremos o dia com maior espaço de tempo de luminosidade. É a festa da força da vida.

Os maiores menires devem ser plantados, o melhor vinho deve ser bebido, os melhores abraços devem ser dados aos corpos mais amados, como se competindo com o Sol, na sua força e magnitude o imitássemos em virilidade e afecto.

Durante alguns dias, o ponto, aparente, em que o Sol se levanta e se esconde, vai parecer imutável. O Sol parece parar no seu aparente movimento (sole sister), o sol para.

A festa é efémera. Aquilo que se mostra como o ponto máximo é, também, o ponto de viragem, o anúncio da chegada da sombra. Após este dia, de alegria e força, o tempo de luz irá diminuir novamente. É o respirar da Mãe Gaia numa demonstração do seu Amor igualitário a toda a sua superfície. O que a nós deu no Solstício de Dezembro, com o anúncio da vinda da luz, dará, agora, ao hemisfério Sul.

Uma espécie de demonstração, à escala maior de que somos feitos, de que a competitividade entre povos, países, irmãos, é um vão afã. Um Sol, uma existência, miríades de seres.

Carpe Diem… Ama o quanto puderes; Não desperdices tempo a odiar, a desamar, a apoucar… Ama!

 

Solstício

 

Olha o Céu, inteiro!

Olha nele as nuvens, palavras escritas a tinta de água.

Em breve, porque mesmo milhões de anos são um nada na eternidade,

a luz do Deus Sol veste de azul a negra mágoa.

Voando para ocaso vai vestindo doce manto e suave frágua.

 

Olha o Céu, abre o tinteiro e entorna,

deixa jorrar na alva claridade, toda a tinta,

como se fosse, na terra, uma vasta viril rega morna.

 

A Luz que veio é a Luz que vai.

E uma eterna maré de sombra e brilho…

Saboreia, nela, a espuma que a vida em mim e em ti produz.

E, a noite, do outro lado mundo,

recortará, no horizonte, um suave sopro de luz.

É a senda do Sol, no bordado de oiro, na orla do nosso trilho,

olhando o Céu, escutando a luz, sentindo a terra que respira.

Sorvendo a espuma que o Sol produz, aspergindo afectos

na maré que nos inspira.

 

Bigorna (XXI6023VI)

   (Fotografia de Bigorna)

segunda-feira, 19 de junho de 2023

 AI QUE VEM AÍ A IA!!!


Não, acho que não estou pior. Sosseguem os meus amigos e mais ainda os meus inimigos, estou na mesma… Burro como sempre fui, consciente de que não sou do lado inteligente da família, optimista no apogeu do meu pessimismo, a viajar entre a ira, o desespero e o riso imundo. No palco da vida, em estreia absoluta de uma tragicomédia de pendor melodramático.
Lembro-me de uma pequena estória, num dos meus livros da escola primária, que narrava um acontecimento estapafúrdio na selva. Resumidamente, os animais, à uma, desembestaram, numa debandada louca, depois de algum se ter assustado com um som onomatopaico de uma bolota a cair no charco. Vem aí o plop, vem aí o plop! Corriam e gritavam todos. Quando já todos corriam sem destino, um dos animais questionou o que seria, quem seria esse plop, que dentes teria, que gravata era a sua. Logo se constatou que ninguém sabia o que tinha acontecido. Foi então que, no silencia da interrogação viram cair, ali ao lado, uma bolota, no charco, e fazer plop. Tudo retomou a normalidade. O plop era a natureza a respirar naturalmente.
Parece-me que estamos a assistir a um episódio algo semelhante, nesta selva que é a nossa vida, com milhares de plops, de ruídos, de flops, mais ou menos novos, mais ou menos inventados, mais ou menos pouco compreendidos e muito pouco explicados (não fosse a informação uma arma valiosíssima). Vem Aí a Inteligência Artificial (fujam…).
Não querendo desvalorizar as ameaças que o galopar das tecnologias nos poderão trazer, convém não esquecer que é graças a um conjunto grande de avanços da tecnologia que conseguimos fazer face a muitas das adversidades e continuar a brincar aos papás e às mamãs (e até é bem interessante, às vezes).
As tecnologias e as invenções, regra geral, beneficiam a humanidade. Podem é ser usadas contra algumas facções ou a favor de outras que usarão a sua vantagem para subjugar as restantes. Escravaturas, prostituições (valor e dinheiro baralhados e remisturados, etc).
Nada de novo, portanto. Nem os Velhos do Restelo são novas invenções (Nesta pseudo invenção).
A tecnologia nuclear pode ser uma forma extraordinária de suprir crises energéticas, ao mesmo tempo que pode ser uma arma destrutiva. É usada para produzir energia e os seus “donos” subjugam quem tem que a comprar. Uma fatalidade…
Mas os grandes avanços sempre se bordejaram destas dualidades.
A escrita e a leitura, sendo uma das maiores invenções da humanidade, constituem uma ferramenta de enorme versatilidade para a comunicação e partilha de informação. Podem servir para transmitir informação falsa como para transmitir informação verdadeira. Os que sabem usar a escrita podem usar de vantagem sobre os que não a sabem usar. Uma fatalidade sobre a qual até se pode escrever muito…
A Inteligência Artificial, seja lá o que ela for, nem constitui uma novidade nem se exclui aos pressupostos anteriores. Pode constituir formas em que o universo dos utilizadores conscientes é reduzido? Pode. Isso pode degenerar em usos abusivos e constituir vantagem de uns sobre os outros, Pode. Haverá uso de inverdade e de arremesso sobre facções (seremos sodomizados pelas palavras?). Sim. Uma fatalidade tão fatal quanto todas as outras miseráveis e miserabilistas fatalidades…
Será possível, hoje, que uma máquina possa escrever textos, de qualquer cariz, melhor do que a maior parte dos humanos? Será. Mas, ontem, já existiam máquinas que faziam cálculo matemático melhor do que a generalidade dos humanos. A fatalidade da ignorância era, já, um quase pecado original (e como eu me vi para aprender a tabuada… e quantos dos meus amigos nunca a souberam?).
Vamos ter gente que escreve textos e não
(Com desenho do autor)

os sabe ler? Vamos. Já tínhamos gente que sabe utilizar uma calculadora e não sabe fazer contas? Tínhamos e temos (que me adiantam as contas se não sei que o resultado da conta de somar vomita o número 2, se depois não sei de quem e o que são esses dois? São meus, são teus? Vem o banco e diz que são dele… e “prontos”).
Qual é a novidade?
N A D A!!!!
Talvez o maior passo, encetado no caminho da invenção da inteligência artificial tenha sido a invenção dos deuses. Com um acrescento extraordinário que se gera no facto, simples e provável, de alguém ter inventado algo que sempre existiu. Sim alguém pode ter inventado deuses que afinal nos inventaram a nós. Também não é nada novo (é um recorrente “enganarem-nos a nós que vínhamos aqui para os enganarmos a eles”)
Para mim, não sendo um crente, não me arvoro também em ateu. Tomo-me de dificuldades em conseguir negar algo só porque lhe não conheço manifestações (e não consigo desatar o nó). Os deuses podem muito bem existir, mas no que concerne às características que as religiões lhe atribuem, são, na sua maior parte, puras invenções. E sendo invenções não deixam de constituir uma existência que condiciona a vida de milhões de pessoas (mas está tudo nas “biblias”, artefactos de uma invenção terrível que é a escrita, lembram-se?). As pessoas não intendem as leis dos deuses, mas os seus inventores trataram de acautelar esses factos, criando a ideia de os deuses serem tão poderosos e grandes que os humanos não os podem entender (nada a fazer, não há inteligência que nos valha). Está, aí, criada uma Inteligência artificial, com as características mais temidas. Os deuses, mesmo criados pelos humanos, tem o poder de controlar a própria humanidade (A criatura dominou o criador… uma nova fatalidade, ou não).
O medo da inteligência artificial é, essencialmente, esse: “ser-se dominado pela criatura”.
Não havendo nada de novo. Não deverá haver novos medos.
O problema não é a inteligência artificial, o problema é a ignorância natural.
A ignorância constituirá, sempre, a maior ameaça para todos nós. É a ignorância que permite o mau uso de todos os avanços. O tal Plop…
Viva a inteligência, qualquer que ela seja, se vier em benefício da humanidade. E, a humanidade só será verdadeiramente inteligente se for capaz de não se destruir ou de destruir o seu habitat.
De alguns deuses… Eu, tenho medo. Ameaçam acabar com isto tudo… passam o tempo a falar de Plopes que estão para vir…
Por mim, estou disposto a parar e a aceitar que me expliquem que estou errado. Obrigado.
Bigorna (XIX6023VI)

domingo, 18 de junho de 2023


 Há dias assim.

Dias em que tudo é um reflexo de um bom sorriso.


Vi um sorriso, e era um sorriso deliciosamente desalinhado...


Era um sorriso tão sorriso que ficou a fazer eco em todos os olhos e em todos os olhares,

  em todas as flores,

em qualquer sítio e em todos os lugares,

    nas areias dos caminhos,

nos pássaros, nas árvores e nas borboletas de todos os tamanhos e cores.


Era um sorriso desalinhado.

Depois fechou a janela e a parede da casa ainda continua a sorrir...

Nem o sol queria pôr-se, queria ficar, pra sempre, do mesmo lado.


Bigorna (XVIII6023XI)


Fotografia de Bigorna

sábado, 17 de junho de 2023

 O Desnorte que Orienta



Por vezes o sol não nasce no Nascente. 

Como se por nascer do avesso se sentisse mais contente. 

Os olhos do mundo ficam estrábicos, 

vesgos, tortos, torpes, assaz trágicos.


Desorienta-se-nos o Oriente e baralha-se-nos o Ocaso com o Nascente. 

De Austral passa a soprar o vento Norte.

De tanta confusão se funde o azar à sorte. 

O Sul perde a razão e desnorteia, cru e ardente.

 

Se também em ti a morte e a vida se confundem, 

dá a volta à tua rosa-dos-ventos.

Pinta um arco-íris nos teus olhos 

e parte à conquista de outros tempos. 


Já não importa se o Sul à sorte perde o Norte,

ou mesmo se o Pôr-do-sol a Lua tenta e desorienta. 

Busca a chama, repulsa a morte,

clama a Luz que cada noite, o dia, reinventa.

 (Bigorna) XVII6023VI

(Fotografia de Bigorna)

sexta-feira, 16 de junho de 2023

  Lá, longe


Lá, onde o eu dos outros se funde com o eu que só eu posso abraçar e conhecer.

Seremos, sem fomes e sedes, desnudados de tudo o que nos confunde.

Nessa distância imensurável entre nós e o que ninguém de nós conhece,

(Fotografia de Bigorna)
haveremos, no futuro, erguer um templo esculpido no vazio, qual novo útero, templo dos tempos, no qual as paredes serão a Verdadeira Luz e onde seremos, apenas, o nosso próprio interlúdio.

AÍ, transparentes ao olhar mortal, da cor da lucidez da alvorada, poderemos ver-nos, transmutarmo-nos ao som da criação dos universos.

Seremos mais do que qualquer um de nós e os nossos imperfeitos olhares saberão ver. Seremos nós e os nossos próprios mundos inversos.

Lá, longe, onde todo o eu perdido pode enlaçar-se com os horizontes dos meus próprios limites, poderemos saber, de nós, o que só eu vejo de mim, o que tu podes ver de nós, o que jamais saberíamos sermos.

Lá, longe, na distância do tempo, onde jamais estaremos sós e assim morrermos, seremos a nossa essência, sem matéria e sem defeitos.



quinta-feira, 15 de junho de 2023

 

Fotografia de Bigorna 

Vento


Sopra o vento esvoaçando rabugento.

Vai e volta na revolta rodopia e assobiiiiiiiiia

Lá vai ele cheio de pressa meio tonto e regressa.

Alvoroço, este louco não descansa nem um pouco.

Não se cansa nem amansa

Tudo alcança, tudo lança. Doida dança.

Vai e volta na refrega assobiiiiiiia e rodopia!

Que loucura a deste vento

Sem parança nem tento.

Parece sempre irrequieto, qual mosquito no tecto,

Como criança sem tempo.


Bigorna

 A Volúpia de Geia



Geme, em espasmos, Geia,


breves, mas colossais orgasmos.


Preia vai de prazer, em volúpia vestida.


Breves são, milhões de milénios, seus momentos de prazeres fecundos.


De neve se veste, em túnica sensual e ousada, nevando em si, cobrindo de evidência seus mamilos quais picos de montanhas doiradas.


Em si, seus átimos jucundos, tão fugazes se mostram como aos deuses o fumo do vapor dos mais breves segundos.


São sempre breves, os prazeres, para não delongar o eco dos remorsos imundos.


Assim se masturba Gaia ao som compassado e breve do ressoar da trovoada.


Pulsam-lhe, do ventre fecundo, num eflúvio bruto e fremente, seiva ardente e orvalhos frios, mornas trovoadas, troares remorejados do raiar do sol nas tímidas alvoradas.


De tanto gozo Gaia se emprenha sozinha. Cheia segue, de rios de vida, hirsuta de selvas exóticas, molhada de oceanos largos, lagos de lânguida seiva bruta, rumo ao limiar da Via Láctea, como se num prado de flores se deleitasse.


Vulcões, jorrantes, lhe escorrem em lavas de melodiosa maresia.  Transpira odores desejo, só para si, sem sequer querer saber se o universo se inibiria com seu luxurioso cheiro.


Extasiada se deleita em estonteante translação, rodopiante no seu eixo, com leves e mansos ensejos bamboleantes de precessão nas ancas.


Assim se masturba gaia ao som compassado e breve do ressoar da trovoada. E se enche de uma fauna fausta, um lauto enxame de vida por vidas povoada.


Bigorna(XV6023VI)

(Fotografia de Bigorna)

sábado, 10 de junho de 2023

 Não, este não é o país que temos!

Imagem de noticiários de hoje

Vi esta imagem, num noticiário.
Confesso-me angustiado, zangado, preocupado (embora isso não importe quase nada).
Os professores, alguns professores (a notícia dizia que era uma manifestação de professores), decidiram manifestar-se, aproveitando a presença do Primeiro Ministro, empunhando cartazes onde este aparece com “focinho de porco”
Pensei em alguns dos meus professores.
Pensei na minha filha que passou, há poucos anos, pelos bancos da escola.
Pensei nos pais dos alunos todos.
Pensei nos pais daqueles professores e nos pais de outros professores e nos pais dos pais deles.
Pensei nos sindicalistas.
Pensei no Primeiro Ministro.
Pensei naquilo que vulgarmente denominamos “educar pelo exemplo”.
De imediato me veio há memória um pequeno artigo que escrevi há cerca de 15 anos. Não encontro o texto mas lembro-me que versava sobre os noticiários, que na altura mostravam a indignação de alguns pais de alunos. As notícias apoucavam os professores, tomando a vinha pela videira (como é costume). Aos professores eram atribuídos os piores defeitos, sem o mínimo escrúpulo, sem qualquer respeito, nem pelos bons nem pelos menos bons. Nas reportagens era dada a palavra a vários pais que destratavam professores, as mães deles, os avós e até o padre que os tinha baptizado. Pais indignados falavam de incompetência, ignorância e outros mimos, sobre os professores.
Lembro-me de me sentir tocado pela forma como os professores eram tratados.
Lembro-me de terminar o artigo com um pequeno diálogo entre filho e pai (depois de assistirem ao noticiário).
Filho: - Então e agora pai?
Pai: - Agora filho, agora está na hora de ires para a cama, que amanhã vais para a escola.
Passaram 15 anos sobre este artigo que escrevi. Amanhã é Domingo e ninguém vai para a escola. Mas, amanhã, as televisões vão repetir, até à náusea, estas imagens.
Hoje lembro-me da forma como os professores eram e são tratados.
Hoje vejo professores com cartazes destes em punho.
Talvez algum pai e algum filho conversem sobre isto. No dia seguinte será dia de ir para a escola.
Espero que os alunos de hoje sejam melhores do que estes professores e que a nenhum deles ocorra responder a nenhuma contrariedade de nenhum professor com um cartaz de “focinho de porco”.
Fico a pensar nos alunos, nos pais, nos professores, nos sindicalistas e nas notícias. E, há coisas que são um eterno retorno.
Alguns dos alunos que ouviram noticiários, há 15 anos, são hoje professores, sindicalistas, jornalistas, pais… Nós somos nós e as nossas circunstâncias.
Aqui e ali, a esmo disto ou de outros descontentamentos e de outros descontentes, vou ouvindo que há razões e que há reivindicações e que, e sobretudo que: “é o país que temos”.
Não. Este não é o país que temos. Este é apenas parte, da parte mais reles do país maravilhoso, grande, afectuoso, generoso, inteligente, trabalhador, resiliente e com história (com a história que temos e que não podemos apagar, onde se inclui a escravatura, o colonialismo, mas também a navegação, as invenções e os nossos pais, os nossos avós… que são, também, os pais e os pais dos pais dos professores que empunharam cartazes com aquela indignidade).
Viva o 10 de Junho, Viva Portugal. Vivam as pessoas tolerantes. Viva a liberdade.
Este é o país que temos, onde professores se hão de saber retratar. Onde pais haverão de saber explicar aos filhos que podem ir para a escola na Segunda-Feira.
(Bigorna)

sexta-feira, 9 de junho de 2023

OREMUS

 


Lá para o mês Augusto encher-nos-emos de gentes, numa trovoada a que chamam Jornadas Mundiais da Juventude. Uma espécie de Saturnália antecipada. Já nos habituámos um pouco a isto com as festividades carnavalescas a serem empurradas para o Estio porque o frio e a chuva são pouco propícios para o evento (no seu tempo adequado).

Tentativa ou tentação de desenho
 do autor

Conjuntamente com a “evocação” do Conselho de Estado, com as tempestades de incêndios que se esperam e a “balbúrdia” de uns milhões de estrageiros a engrossar o caudal do Tagus com os seus “sanctus dejectus”, constituirão uma tempestade perfeita para a realização de um plebiscito que ponha por terra os restos mortais do governo vigente e instale, no seu lugar, um Falo Falso (que as falsas falas assim têm, para isso, concorrido). Agoirento eu!!!!

Mas, e ainda…

Ouvi, para aí, um versículo que referia a retirada, ocultação, exorcismo, quiçá sublimação, da escultura de João Cutileiro (Aquela que dizem ser uma representação fálica, que eu não conheço, e que a minha mente jamais reconheceria como tal…), do Parque Eduardo VII, em Lisboa, onde (por acaso se vai realizar uma mesa com a presença do Papa e enxames vários à sua volta).

Mas, porque será retirada, ocultada, escondida, a dita escultura? Ela não é Pau, é Pedra. Será partida, será cortada (trasladada se morta)?

Dizem uns que, pode incomodar as orações. Dizem outros que pode distrair os crentes (talvez pouco crentes face ao tamanho da escultura). Dizem outros que não se adequa ao desenho das celebrações. Dizem outros que as celebrações é que não se adequam aquele espaço. Enfim…

Convém não evocar a história nem as estórias, sobre os assuntos em torno da questão (não da escultura, mas sim do local e da cerimónia e da religião e da sua falta de (re)ligação ou mesmo dos excessos das mesmas). Aquele parque não é famoso por se ir rezar nele e os santos que por ele sempre foram caminhantes devem ser todos mártires…

A organização do evento terá vergonha de mostrar a nossa casa?

Teremos assim um complexo de inferioridade tão grande que leve a que tenhamos vergonha do nosso Falo? Se é por ser pequeno, faz-se-lhe um altar maior e sobre o altar um púlpito, e sobre o púlpito coloca-se a dita escultura sobre saltos altos… Não Calem o Falo, deixem que o Falo Fale!

Ocultar a escultura? Vão embrulhar o quê? Com o quê? Vão amarrar um laçarote na base, para disfarçar? E se alguém, no fim da festa, pensa que é uma oferta… Quem se desembrulha com isto?

Por mim, sem sobressaltos,

                e sem carácter pejorativo,

não ofuscando a corrida aos palcos,

                    dêem-lhe uso saudável,

vistam-lhe um preservativo

                               que lhe dará um porte inefável.

 

Tem um senão. Vai avivar a memória sobre os abusos sexuais (lá estou eu a ser agoirento!).

Mas têm uma virtude… Dilata caminho à Eclésia para se modernizar (mas não dilatamos a fé nem o império).

  Pimenta no cu dos outros… (Série)   Inspirado num poste sobre espera. A vida, se a observarmos, de todos os lados, e a conseguirmos ...