O Sol, a Lua e as Estrelas
Era assim, numa inocência pueril e com sabor a rebuçados de laranja e tangerina, que contrariado e já derrotado, pegava nos lápis de cor, para cumprir a tarefa ditada pela Senhora Professora, na Escola Primária da minha terra.
Não gostava de desenhar, nunca lhe ganhei o jeito e sempre detestei fazer aquilo que sei nunca vir a conseguir fazer bem feito.
Era um pouco ingrato. A vida tem esse condão de nos desgraçar as expectativas de justiça e facilidade. O meu colega de carteira, pouco dado às letras, safava-se bem a copiar as redacções por mim. A professora fingia que ele não tinha copiado, corrigia-lhe, apenas, os erros ortográficos, que por vezes também copiava por mim, e lá ia ele, feliz, para o recreio, desgraçar as canelas dos colegas. O jeito para a bola era mais ou menos semelhante ao do jeito para as letras mas, imprimia mais força aos pés do que à esferográfica e quem o pagava eram as “canetas” do adversário. Não havia árbitro e só era declarada falta se fosse feita “queixinha” à professora. Íamos sobrevivendo.
Quanto a desenhar, o rapaz desenhava mais ou menos bem. Fazia burros de perfil, montanhas com neve, árvores com maçãs e toda uma panóplia de flores e casario que dava para vinte ou trinta desenhos… Num só dava para eu me safar o ano inteiro. O problema é que ele tinha habilidade para o desenho e para desenhar as minhas redações com a caligrafia dele… Mas eu, era um canastrão semelhante a hoje, na escrita, e igualmente no desenho… ou pior… Copiar o desenho dele era como olhar para a realidade e desenhar. O burro via-me melhor do que eu via o burro. A mão vacilava e os burros saiam mais tremidos que as fotografias que o fotografo da vila tirava depois da boda dos casamentos. A vinhaça desfoca tudo.
Desta triste realidade resultava que eu me limitava a fazer desenhos com uma casa, uma janela quase redonda, uma porta fechada, um telhado de duas águas, uma chaminé com fumo… um caminho, uma flor maior que a casa, uma nuvem, e no céu azul havia o Sol a Lua e as Estrelas.
Não, recuso-me a submeter-me a análises psicoterapêuticas. Para me dizerem que sou tolo ia ao confessionário do estupor do padre ou vou à Bruxa. Obrigado
Hoje fiz esta fotografia. No entardecer, enquanto das águas palustres e pejadas de jacintos, da Ribeira de Espinhel, saiam enxames de mosquitos com vontades sexuais de me mastigar, percebi, finalmente, que o Sol é uma Estrela. Ainda me apeteceu desenhar burros mas é melhor não…
Desculpem… Os tolos também podem descobrir coisas novas e, no peito de um mau desenhador também bate um coração.
Bigorna (XXX6023VI)
(Fotografia de Bigorna)
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