segunda-feira, 30 de outubro de 2023

 

Pimenta no cu dos outros… (Série)

 

Inspirado num poste sobre espera.

A vida, se a observarmos, de todos os lados, e a conseguirmos conhecer de algum dos lados, pode resumir-se a uma espera. Pode. Apenas pode, percebido? Assim espero.

Esperamos que corra bem, esperamos que se resolva, esperámos que os nossos pais se resolvessem. Foi necessário esperar que as dores de cabeça passassem, que a minhoca se erguesse, que os espermatozoides corressem, que o óvulo cedesse, que o útero inchasse, que a parteira chegasse, que a mãe parisse, que a sogra gritasse e que o padre fugisse…

E, lá, na outra ponta, o coveiro já espera e desespera. Tem a Maria na cama e filhos para fazer. Espera enterrar-te. Mas, se demoras a deitar-te ele vai enterrar-se na Maria e ficarás à espera para morrer.

Já, por causa disso, decidi ser cremado. Não escapo da espera? Não. O Forno já deve estar ligado, se não faltar energia.

Caríssimos. Se as cadeiras das salas de espera vos fizerem dores no cu e se o cu (as dores), vos levar ao Facebook, e se depararem com esta treta, não esperem, leiam e desesperem. Leiam e constatem que estão à espera, no sítio certo, nas cadeiras da sala de espera, porventura de um serviço de saúde.

Talvez, se tudo correr mais ou menos, sejam encaminhados para uma lista de espera. Depois de esperarem e de os médicos esperarem ganhar a vida com isso (sendo que não existe qualquer mal nisso, tal qual para o coveiro), poderão ser operados (na esperança de, sofrendo de dores na bacia, não serem, por equívoco reflexo, operados ao bidé). Se forem operados, irão para casa e o hospital, numa operação de marketing e charme sem chá (que apreciamos, da mesma forma como ficamos impressionados com o telefonema de um vendedor que quer saber se estamos satisfeitos com uma qualquer compra), telefonar-vos-á, para saber se estão bem da torneira a que foram operados.

Sobre Marketing, espero que o coveiro tenha a mesma ideia (logo se vê se eu atendo)…

Bigorna (XXX6023X)

(Morro, a desenhar – Quem desdenha… que aprenda a desenhar)

domingo, 29 de outubro de 2023

 “O Amigo Certo conhece-se na hora Incerta”.


Parece ser um dito popular, mas com muita verdade. Mesmo nas situações mais simples. Esta manhã, um amigo que muito me honra com a amizade que me dispensa, inspirou-me esta história. Não é um conto original, mas eu permito-me emprestar-lhe o meu ponto.
O meu amigo coleciona relógios, muitos, ao tamanho do seu bom gosto e cultura e todas as qualidades que possui. Estava a mostrar-me um relógio que tinha a particularidade de ser como os nossos calendários antigos, de secretária, que tínhamos que acertar todos os dias. Este relógio também era assim. Ele tinha que o acertar de cada vez que queria mostrar as horas. Não que o relógio não pudesse, eventualmente, estar certo. Para quem lhe não ocorra, um relógio parado está certo, rigorosamente certo, duas vezes por dia. O que pode não acontecer com os outros, que funcionam. Ele fez-me recordar uma anedota que meu pai contava. Meu pai contava as mesmas anedotas muitas vezes (talvez receoso de que eu, um dia, pudesse não me ementar delas, ou então para eu as perceber).
O Jaquim, da minha terra, em moço, foi, como criado de servir, para uma grande herdade. Antigamente era assim. Alguns dirão, uma escravatura, outros dirão que hoje ninguém quer trabalhar. Há dias encontrei uma resposta, quase nova, para algumas boquitas reacionárias: “Pimentorium in culus otrem refrescus est”. Tradução: Se para ti for a estrear, experimenta e logo vês.
Chegado à herdade, o maioral de gado instruiu o Jaquim:
- Repartes esta assoalhada com o burro aqui da quinta. O cheiro, acho que o animal se habituará, na tarda. Quando, pela manhã, o jerico zurrari, tu alças a caganeta do estrume e vais trabalhar pró monti, qué uma beleza.
No primeiro dia, o burrico zurrou às 6 da matina. Jaquim levantou-se da palha, num salto, lavou o focinho à gato, passou no curral da mimosa e tomou o pequeno almoço directamente das tetas e saiu, penteadinho, com uma lambidela na franja. Não trocou de roupa e ninguém lhe perguntou se ia de pijama para o trabalho. Recomendação – (façam desenhos para os mais distraídos) - Obrigado.
No segundo dia, o burrinho, talvez a pedido da entidade patronal, zurrou às 5 e meia da madrugada. Mesma rotina. Apenas acrescentou algumas orações laudatórias “ora porra para a minha sorte…”.
5 da manha, do terceiro dia, e o burro: IO, Io, IO… brrrr (tradução Google “etc”). Joaquim esfrega os olhos. Pensa em voltar para casa, mas teme levar alguma carga de pancada e ficar a dormir por 3 quinze dias, e avança para a seara, a mandar vir carvalhos com folhas e tudo.
Chegado a casa, sol posto e ceia na pança, entra no luxuoso hostel e logo se propala pelas planícies um estardalhaço infernal. Este escarcéu alardeou toda a vizinhança. Até o patrão veio tomar nota do sucedido.
Na porta do curral, todos já em cuecas e ceroilas, perguntam porquês, respondem impropérios e rezam a santa pipa da cachaça. Pronto se assola o Jaquim, na porta, com as calças caídas aos pés e o sinto em riste no costado do burro, a dar desembrulhar vergastadas, até vir a avó da missa:
- Não se apoquentem. Vão às vossas vidas. Eu estou apenas a acertar o relógio!
Bigorna (XXIX6023X)
(Relógio de Burro)

 Aos que me têm

Estão a chegar dias de celebrações de vivos e de mortos.
Há uma fusão intensa, de sentimentos quando se celebra o dia dos Santos e o dia dos Finados.
Muito embora haja religiões que ajudam a confundir e obscurecer estes conceitos, no coração das pessoas não há confusões.
No meu coração há vivos que estão mortos, mortos que estão vivos, vivos que são santos, santos que nunca viveram e há, ainda, todos os que quero conhecer.
Dentro do meu peito, caixa onde o meu cérebro mais anuncia as emoções, por ser nele que o coração acelera e a respiração quase para, cabem muitos, habitam saudades e moram tristezas e alegrias.
Aqui vivem muitos animais, alguns humanos. Aqui esvoaçam algumas das minhas mortes, muitas delas só transformações de matéria e energia… familiares, amigos, utentes… Animais de estimação, animais que matei por pura crueldade e até o cão que atropelei sem opção.
Assim sou cada vez mais gente e vidas dentro de mim… quanto mais gente e animais menos eu. Ou, talvez, mais um eu que somos os que em mim habitam.
Tenho medos e sei que lidarei mal com o sofrimento físico e até emocional. Mas, a morte, não me amedronta. Estou pronto.
Serei no coração de outros, como agora eles são no meu:
Quando Eu Morrer…
Quando eu morrer quero estar bem vivo,
quero ver passar a vida.
Quero que ela me diga bem alto
que parte sem ter pena
que se ausenta sem medo.
Quando eu morrer quero estar bem atento.
Quero ter tempo,
quero ter tento,
ouvir, na voz do vento, o doce rumor do firmamento.
Quando partir quero saber que parto,
degustar sábia e demoradamente o acto,
de olhos abertos,
para olhar o céu inteiro,
a terra, o mar e tudo quanto é verdadeiro.
Talvez só morra uma vez…
E tão sublime e especial momento
merece que eu esteja atento.
Não quero partir sem saber.
Quero dar a mim próprio alento,
fazer-me a despedida…
Pior do que deixar a vida
seria fazê-lo sem querer…
Bigorna (XXIX6023X)
(Fotografia do autor)

 NHEC… NHEC… NHEC…

O Joaquim, da minha terra. E sim, para os mais intrigados, é sempre o mesmo. Há meia dúzia de três quinze dias, veio carpir-me as suas desditas, mas num misto de riso e choro.
Contou-me ele, ensimesmado, taciturno e meio incrédulo:
- Tive uns meses de grande tribulação, mais que a tributação, cujo proveito me aflige mais que o volume, a tribulação andou a coser-me, em lume brando. Andei inquietado com um problema quase sexual.
- Quase sexual, Jaquim, exp
lica lá isso. Já é só quase?!
- Não! É tudo… demorado, mas é tudo… O problema é que, moro num apartamento, pequeno, lá no prédio até lhe chamam um “apertamento”. Nos últimos meses, a cama, deu de fazer aquele nhec… nhec… nhec… que tanto irrita quem quer dormir e não têm com quem tocar e acompanhar a orquestra. Eu nunca tive desses problemas. Há uns anos mandei fazer uma cama em betão armado, por causa de um ruido semelhante, e até acabei por constatar que o nhec… nhec… nhec, afinal, nem era da minha cama, era dos meus vizinhos. Mas nessa altura também fiquei tranquilo, cama de betão não faz nhec… nhec, nunca mais. Vai se a ver e zás! Isto é, zás não, nhec… nhec… nhec… outra vez.
Eu até as tábuas do soalho mudei. Eu já fazia sexo, sem vontade, só para testar se o nhec… nhec… ainda lá morava. Mudei o colchão. Mudei o penico que estava sob a cama (que afinal estava mudo), o espelho do tecto, o interruptor da luz… Tudo! Mas nada… Tudo na mesma.
- E então? - Perguntei preocupado.
- Então, vai daí, com este stress, com o avio fulgido, e com a idade, a Minha Maria deu de si…
- Estragaste o acordeão?
- Não. Começou a acusar cansaço, dores de cabeça (mais frequentes) … levei-a ao médico das doenças. Entrei, explicámos tudo, e tudo e tudo, falei do nhec… nhec… nhec. Até tive sorte, que o senhor doutor nem me levou nada pela consulta. Quando eu lhe falei daquela coisa da cama em betão (parou a consulta), ligou para o marceneiro, desencomendou a cama nova e agradeceu-me, mil vezes, a ideia.
Depois fez-me mais umas perguntas à minha Maria. Ela até disse ao senhor doutor que andava cansada, mas que cada vez gostava mais de sexo. “Ai, senhor doutor, eu antes até tinha poucas vontades, mas agora, depois que isto começou, veja lá, de cada vez que fazemos, o nhec… nhec… nhec, dá-me uma emoção tão grande no peito, que até fico entontecida”.
Vai daí, o senhor doutor mandou-lhe fazer uns “inzames”, umas análises, umas chapas…
- Então e já está melhor?
- Ainda não. Mas já descobrimos qual é a origem do nhec… nhec… nhec.
- E então, Jaquim?
- É a minha Maria… Tem uma costela fraturada!
- Ai! obrigadinho Jaquim… Vou agora mesmo à drogaria… Vou comprar Óleo para pôr nos joelhos.
Bigorna (XX6023X)
(Quadro da minha autoria, intitulado – “Óleo sobre as artroses”)

 Sem tempo para nada… Mas há horas para tudo…

“Deram-me duas atrás da mata!”
O tempo, onde jogamos o xadrez complexo da nossa temporalidade, feito de horas inventadas numa máquina que tenta acertar-se com os ritmos do universo, está pleno de sarilhos.
E isto para não falar do outro tempo, o das chuvas, humidades, secas, trovoadas, neves e ventosidades, exteriores e interiores, celestes, terrestres e merestres.
Embora haja os mais utópicos, que sob o stress ou sob a falta dele, se deleitam, como rios na meandrização serena das planícies, dizem que há tempo para tudo, é, por vezes, mentira. Por vezes até falta o tempo para a verdade
Não há tempo para tudo. Haverá um tempo para cada coisa e há horas do “coiso”. Sim horas do coiso mais coiso capaz das coisas mais coisas que a coisa imaginar.
Há a hora “pequenina”, para parir com perfeição e há o minuto interminável que o ponteiro, lento e preguiçoso, teimoso na languidão, leva a percorrer a última volta da hora de “despegar” … Filho de uma enorme meretriz!
E há a nossa hora, a hora de cada um, aquela hora em que ninguém vai na vez de outrem, que o barqueiro é sagaz.
Na minha aldeia havia a hora nova e a hora velha, o meio dia novo e o meio dia velho, para distinguir as mudanças de hora de Verão e de Inverno. Horas para todos os gostos e desgostos. Não faltando as horas do inferno. Horas do diabo!!! Há as 6 e um quarto e a “Ora porra para esta merda que eu já estou farto”.
Mas a melhor hora é uma e um Quarto. Duas e um quarto é mais um problema de garganta do que de tempo e, se a língua nos não valer, bem podemos pintar a manta. Às vezes nem com meia me aguento…

.
Uma menos um quarto é coisa que se resolve, com alternativas várias… Muita vinha se vai lavrando em horas extraordinárias.
Hoje, pela manhã, fiquei inspirado por uma anedota, do Jaquim. O pobre lamentava ter ido parar à PIDE por ter respondido a duas velhinhas que lhe perguntaram se tinha horas:
- Tenho sim senhor! Tenho um quarto para as duas.
São aquelas horas do coiso.
Lá nos verbos dos Arguinas, a forma correcta de perguntar é:
- Quantas quiloas foca o bandarra de toi? (Quantas horas marca o teu relógio?)
Ao que se pode responder:
- É meio luzeiro. Vamos a rostir os tranbuzios. (É meio dia. Vamos comer os feijões.)
Há as horas nas quais, na minha terra, se dizia que tudo dormia. Minha avó sempre lembrava:
- Se fores buer auga, durante a note, faz barulho, acorda-a. Tudo dorme, inté as pedras do caminho. Se bueres a auga e a não acordares, ela fincasse-te no bucho e rabeias toda a note, com a auga no cartucho.
E, nunca me esquecerá. Na minha terra. Vinha a Gertrudes, lá das terras, cansada da labuta, desta vida que é filha da p… e cruzou, ela, com o Jaquim:
- Ó Truda, tens horas que “mas” dês? – Perguntou o Jaquim.
- Ê cá nunca tive reloijo. Ando sempre atenta ao sino da torre da ingreija. Mas se bem senti, deram-me agora duas, ali, atrás da mata…
São horas de me calar, que o assunto pede respeito.
Bigorna (XXVII6023X)
(Faço horas a fazer desenhos)

 Um ar, assim... De ver por dentro.

Há um fim de mundo,
para lá do fim que o mundo nos destina.
Um céu de ver por dentro. Lá, no fundo...
Um alter cosmos sem matéria.
Um éter vasto, largo e profundo.
Um vazio, de um nada que possamos querer dar ao mundo.
Que, do mundo nada esperamos mais que um ar, apenas e só emprestado.
E, um ar, é já tanto... Mesmo que emprestado.
Bigorna (XXVI6023)
(Fotografia do autor)

 (conteúdo sensível)!!! – Pode conter imagens chocantes.

O Jaquim, da minha terra, na sua inocência inocente, casou-se. (volto a advertir para a possível violência do conteúdo).
Na noite de núpcias (palavra com origem no étimo nuvem – só para espicaçar as nebulosidades próprias dos nubentes e dos véus), a verdura sexual do Jaquim concorreu para a sua decepção primeira. Chegados ao leito de consumação (pode substituir por consumição), não conhecendo o noivo corpo de mulher, muito menos tapado por “cuequedo” rendado e farto de folhos, logo se deu aos braços de Morpheu, convicto de que sua esposa não tinha buraquinho para meter os filhos nem por onde saíssem. Tinha defeito de fabricação.
Cedo saiu do leito e, sem dar alardo à populaça, foi procurar ajuda. E onde é o melhor lugar para pedir ajuda? Na taberna. Se não houver outro remédio, a cachaça resolve.
Tendo o Jaquim desabafado com os amigos, logo se levantou um desconhecido pronto e voluntarioso a ajudar (nunca falta que
m tudo resolva):
- Homem, se ela não tem por onde fazer filhos, eu, artesão hábil e experimentado, lhe farei um (um buraco por onde fazer filhos e pari-los, entenda-se), de raiz, sem recurso a esquiços ou caros projectos, sem licenças camarárias e isento de côngruas paroquiais. Levas a moça à minha oficina, com uma arroba de lã (da melhor), um presunto de porco sadio, um litro de sal grosso e um garrafão de vinho tinto (que um homem para trabalhar no duro tem que “buer” do bom). Deixas a moça 15 dias lá em casa e irás buscar com tudo pronto e já testado (talvez até atestado).
Assim aconteceu. Ao fim de 15 dias lá se prantou o Jaquim, na porta do (não sei que lhe chame… ferreiro não que aquilo não é de ferro… carpinteiro também não que de pau só os santos… padeiro talvez?), do artesão “prontos”.
- Jaquim, aqui tens. – Expondo as partes pudibundas, acabadinhas de acabar, nacaradas e apetitosas, da moça – Está um primor. E já testei, funciona que é uma beleza. Se carecer de aprimoramentos “cá estarei”, para acabamentos interiores.
O Jaquim, olhou, admirado, curioso e interessado:
- Parece o poço das silvas – disse sorridente. Bem! Está feito está feito, mas… trouxe eu uma arroba de lã (da mais fina), e o que vejo alí não passa de uma penujem que mais parecem as barbas mal penteadas do padre Inácio (quando as tinha ainda pretas). Dei um presunto da porca “Torresma”, quase maior que uma vaca, e o que vejo são duas bifanas rafadas, cobertas de coirato fino e enrugadas. – E provando com o dedo, voltando a provar e a cheirar – Veio carne e cheira a peixe… só não está roubado de sal!
Bigorna(XXVI6023)
(Homenagem a meu pai que contava esta anedota e ria sempre mais do que os ouvintes) – O desenho? É um desenho.

  Pimenta no cu dos outros… (Série)   Inspirado num poste sobre espera. A vida, se a observarmos, de todos os lados, e a conseguirmos ...